06 jul, 2018 - 18:03
Os chefes de equipa de medicina interna e cirurgia geral do Centro Hospitalar de Lisboa Central apresentaram a demissão por considerarem que as condições da urgência não têm níveis de segurança aceitáveis.
A agência Lusa teve acesso à carta que contém o pedido de demissão destes chefes de equipa do Centro Hospitalar de Lisboa Central, que integra o São José, tendo o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos confirmado que o documento foi entregue à administração.
Na carta, os profissionais apontam para a consecutiva degradação da assistência médica prestada no serviço de urgência do Hospital São José, considerando que se chegou a uma "situação de emergência" que impõe "um plano de catástrofe".
"Os chefes de equipa de medicina interna e de cirurgia geral, responsáveis pelos cuidados médicos de urgência prestados durante o seu período de serviço, consideram que as atuais condições de assistência no Serviço de Urgência do Hospital de S. José ultrapassaram, em várias das suas vertentes, os limites mínimos de segurança aceitáveis para o tratamento dos doentes críticos que diariamente a ele recorrem", refere a carta.
Os profissionais indicam que a assistência médica prestada na urgência polivalente do Centro Hospitalar de Lisboa Central "tem vindo a sofrer, ao longo dos últimos anos, uma degradação progressiva constatada por todos os profissionais" que lá trabalham.
Consideram que a falta de pessoal não se verifica apenas nas equipas de medicina interna e de cirurgia geral, mas também noutras especialidades implicadas na assistência aos doentes que recorrem ao serviço de urgência.
Aliás, segundo a carta, muitas vezes o elemento mais diferenciado é "o interno dos últimos anos da respetiva especialidade".
Entendem os profissionais demissionários que a situação não é aceitável num serviço de urgência "que recebe todos os casos mais complicados e os doentes mais críticos, muitas vezes enviados de outros hospitais".
"A política de recursos humanos, ou a sua ausência, não procedendo à contratação de médicos mais jovens que rejuvenesçam as equipas, cada vez mais envelhecidas, e compensem as saídas que, pelos mais diversos motivos, se têm verificado, tem levado a uma delapidação progressiva dos médicos que as integram", refere a carta dos profissionais que apresentaram a sua demissão.
Os profissionais referem que alertaram para a situação várias vezes e que reclamavam, "na atual situação de emergência a que se chegou, a adoção de um 'plano de catástrofe', baseado, sobretudo, na gestão racional de recursos financeiros e humanos centrada no doente e com envolvimento dos responsáveis diretos pelo seu tratamento".
"Seria, também, fundamental uma avaliação profunda das razões que levaram à acentuada diminuição da procura de formação no atual CHLC, em oposição franca à que anteriormente se verificava, bem como das razões que levaram ao abandono precoce de muitos especialistas e mesmo à inexistência de candidatos nalguns concursos que foram abrindo", lamentam.
Os profissionais indicam ainda que vão dar conhecimento da situação ao bastonário da Ordem dos Médicos.
Centro Hospitalar "reconhece o essencial das queixas" de chefes demissionários
A administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central "reconhece o essencial das queixas" e dos problemas levantados pelos chefes de equipa que apresentaram a sua demissão e garante que está a tentar encontrar soluções.
Em declarações à agência Lusa, fonte oficial da administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, que integra o Hospital de São José, confirmou a receção da carta dos chefes de equipa de medicina interna e cirurgia geral que apresentaram a sua demissão, por considerarem que as condições da urgência não têm níveis de segurança aceitáveis.
"A administração reconhece o essencial das queixas", disse a mesma fonte oficial, adiantando que o Centro Hospitalar tem reunido com os vários chefes de equipa e com os serviços "para tentar encontrar soluções" para os problemas apresentados.
Ministro apanhado de surpresa
As demissões apanharam o ministro da Saúde de surpresa. Adalberto Campos Fernandes só soube da situação depois de uma cerimónia da União das Mutualidades Portuguesas.
Confrontado pelos jornalistas com a denúncia feita esta sexta-feira pelo CDS sobre a situação nas unidades de saúde do Interior pela passagem às 35 horas de trabalho, o ministro respondeu: “estão melhor do que quando o CDS as deixou” em termos de recursos humanos.
“É bom que o CDS tenha consciência de como deixou as unidades do Interior. É bom que o CDS se lembre que, ainda recentemente, disse que as pessoas tinham era que trabalhar. A redução de 40 para 35 horas na saúde é um benefício legítimo, que respeita a qualidade do trabalho, a segurança das pessoas e que os trabalhadores realizem a sua missão com melhores condições”, declarou Adalberto Campos Fernandes.
Bastonário pede mudanças
O bastonário da Ordem dos Médicos garante que nem só no Hospital de S. José há falta de pessoal o que coloca em causa a segurança clínica dos doentes. O mesmo se passa na maior parte dos serviços de urgência dos hospitais do país.
Miguel Guimarães, contactado pela Renascença no Brasil, considera que as alegações dos chefes de equipa de medicina interna e cirurgia geral do Centro Hospitalar de Lisboa são perfeitamente plausíveis e algo terá de mudar.
[notícia atualizada às 19h54]