12 jul, 2018 - 19:55
Em antecipação do debate do estado da nação, que vai decorrer esta sexta-feira na Assembleia da República, a Renascença colocou três perguntas aos seus comentadores habituais: o que destacam como o melhor do estado da nação? E o pior? Quais são os principais riscos que Portugal enfrenta no futuro? Estas foram as suas respostas.
Para Jacinto Lucas Pires, o melhor foi "o diálogo democrático" que, "apesar de tudo, ainda é possível". "Há um espírito minimamente saudável em comparação com outras partes da Europa, por exemplo."
Sobre o pior no último ano, ressalta "a política de curto prazo, de navegação à vista, que pensa só em resolver o problema imediato e resolver às vezes só as manchetes do dia seguinte, em vez de pensar o país a cinco ou dez anos".
Sobre os riscos que Portugal enfrenta, Lucas Pires lembra que, "no ciclo anterior, havia o risco de cairmos numa tecnocracia, em que a democracia estava presa pelos técnicos, pelos números, pelos homens da regisconta" e sublinha que "agora temos o risco de uma 'Facebookracia'. Em vez de ideias há só soundbites, em vez de líderes temos uma espécie de altifalantes da própria tribo de gente que não tem visão nem ideias próprias, é só um intérprete dos interesses do seu círculo".
Sobre o fenómeno, o comentador acrescenta: "Acho que em Portugal temos esse risco, que é também um risco, como acontece já noutras partes do mundo, de grande divisionismo, de tornar isto que nós[Jacinto Lucas Pires e Henrique Raposo] fazemos, este debate todas as semanas, impossível, que dois pensamentos muito diferentes de áreas tão diferentes possam dialogar e chegar a algum tipo de consenso", ainda que só "de vez em quando".
Já Henrique Raposo destaca como ponto positivo "o comportamento da economia, que continua a crescer, apesar de crescer pouco em comparação com outros países europeus, sobretudo a subida das exportações. É um processo que já dura há dez anos, a subida das exportações, e é um processo fundamental para um país pequeno como Portugal."
A isto, o comentador acrescenta "outra coisa ainda mais interessante, por ser cultural e não só económico, que é o orgulho no Made In Portugal". Hoje em dia, refere, "os empresários portugueses, sobretudo da nossa geração, com 30 e 40 anos, têm orgulho e não escondem o Made In Portugal", ao contrário dos anos 1980 e 90, quando "ainda havia muito aquela tradição de esconder".
"Acho isso muito interessante", ressalta Raposo. "Prova que podemos exportar dentro do euro, ao contrário do que dizem muitos profetas da desgraça".
Como ponto negativo do último ano destaca "a demografia", numa altura em que Portugal tem "uma taxa de natalidade que é um pesadelo, só equiparável aos japoneses ou aos coreanos, estamos mesmo no sopé da humanidade em termos de natalidade", o que para Raposo é "o pior pesadelo que nós temos".
Sobre os riscos para o futuro, o comentador repete a mesma ideia de "inverno demográfico" para além "deste tribalismo crescente e emoção permanente que abolem as pontes criadas pela razão, como referiu o Jacinto".
"O nosso maior problema no futuro, e não é num futuro longínquo, é mesmo um inverno demográfico. Portugal é dos países mais envelhecidos da Europa, tem poucos bebés. Acho que se não fizermos nada de radical – e uso a palavra no seu sentido completo – nas próximas décadas vamos ter problemas que transformam os problemas que temos hoje em dia em brincadeiras de criança, porque vamos ter uma população envelhecida a sério."
Francisco Assis aponta como o melhor do estado da nação as finanças públicas de Portugal. "Na verdade, conseguimos alcançar objetivos importantíssimos nesse domínio, com os melhores resultados da história da nossa democracia, o que é fundamental tendo em conta o elevado valor da dívida pública e a necessidade de ter umas finanças públicas saudáveis."
No extremo oposto, o eurodeputado socialista refere "o reverso disso mesmo", que "tem a ver com a deterioração em que se encontram alguns dos nossos serviços públicos".
"Houve uma redução muito significativa do investimento público e isso está a traduzir-se na deterioração de alguns serviços fundamentais, nomeadamente na área da Saúde. Isso obriga a uma reflexão sobre como financiar esses serviços de modo a garantir que funcionem adequadamente, tendo em vista as necessidades da população portuguesa."
No que toca ao principal risco para o futuro, Assis refere o potencial de "degradação do ritmo de crescimento da nossa economia". "Creio que, neste momento, essa é a maior dificuldade que vamos enfrentar."
João Taborda da Gama considera que o melhor do atual estado da nação "é o facto de termos tido emprego e redução do desemprego, continuamente, o que prova que o modelo de legislação laboral apontado pelo anterior Governo e aprovado entre muita crítica da esquerda é importante". O facto de este Governo ter decidido mantê-lo, acrescenta, trouxe "grande estabilidade na área do emprego".
Sobre o pior, o especialista em direito fiscal evoca "o modo de governar através de cativações, o que gera ineficiências na gestão dos serviços públicos, em especial da Saúde".
Sobre o maior risco para o estado da nação, o comentador ressalta que este "não vem do Estado nem da nação", mas de "nações estrangeiras".
"Vem de fora, de populismos, da questão migratória da Europa e do impacto que isso pode ter na taxa de juro do Banco Central Europeu", algo que, a acontecer, será "muito mau para Portugal, porque é aí que assenta a recuperação económica portuguesa".
Paulo Rangel destaca "um aspeto positivo que não tem nada a ver com o Governo, que é a magistratura que o Presidente da República tem desempenhado".
Para o comentador do programa Casa Comum, "este é, sem dúvida, o aspeto melhor em termos do estado da nação", o facto de "termos um Presidente no qual podemos confiar e que tem sido um garante não apenas de estabilidade mas de inclusão e de espírito patriótico e nacional e espírito de solidariedade". Isto, acrescenta, "deve-se aos portugueses e a essa personalidade única e singular da vida política portuguesa e até, diria, internacional, que é Marcelo Rebelo de Sousa".
Em contraponto, o eurodeputado do PSD destaca "muitos pontos que estão a falhar neste Governo", embora ressalte um "que merece uma atenção prioritária, que é o Serviço Nacional de Saúde".
"Por causa das políticas de dissimulação, de ocultação de cortes radicais, para contentar algumas classes profissionais no curto prazo, este Governo cortou radicalmente o investimento na saúde", critica Rangel. "A situação que se vive nos hospitais é uma situação caótica, já deu origem a muitas demissões e a uma grande contestação por parte dos profissionais, que estão preocupados com os doentes." A isto acresce a "questão das 35 horas, que é a maior vergonha, uma vergonha que um Governo seja tão irresponsável ao ponto de deixar os hospitais nesta situação de quase ruptura dos serviços".
Quanto aos riscos que Portugal enfrenta no futuro, o social-democrata alonga-se na análise, a começar pelo "risco nacional que é o facto de o Governo estar sempre a navegar à vista".
"Foi incapaz de fazer qualquer reforma. Procurou alimentar apenas algumas compensações e reversões de salários e de pensões, mas depois cortou na Educação, na Saúde, na Proteção Civil, na Proteção Rodoviária... A segurança dos cidadãos está em causa, portanto neste contexto particular penso que o maior risco é haver aqui uma adulteração da situação do país, porque neste momento caiu a máscara de António Costa e está à vista o resultado muito negativo das suas políticas", um risco "de colapso que pode dar origem a problemas de estabilidade governativa".
Rangel vira-se depois para os riscos mais sérios a nível internacional. "Em primeiro lugar um risco económico muito grande, com a guerra comercial que os EUA estão a fazer com a China e que entretanto se pode estender à Europa. Penso que pode haver uma mudança no clima económico, que até agora tem sido um clima positivo que disfarçava as incompetências do Governo. Penso também que há algumas ameaças que resultam da instabilidade na Grã-Bretanha e do que vai acontecer com o Brexit, que resultam da instabilidade na Alemanha, que resultam daquilo que é o Governo italiano."
Em termos europeus, acrescenta, "temos hoje os grandes países todos numa crise bastante complexa e isso naturalmente vai ter uma projecão muito negativa sobre Portugal".