10 ago, 2018 - 18:20 • João Carlos Malta
“É lógico que o primeiro-ministro não o podia ter dito, ou então já tem algo que comprove que houve excessos, e aí tem de haver um inquérito e depois um processo. Pode também ter presenciado algum excesso, o que não acredito. Caso contrário não devia ter dito essas palavras”, disse à Renascença o presidente da Associação de Profissionais da Guarda, César Nogueira.
O sindicalista reagia às declarações do primeiro-ministro, António Costa, esta sexta-feira em Monchique que, no balanço ao incêndio, elogiou em primeiro lugar o trabalho dos guardas. “A GNR desempenhou missão muito delicada e difícil. Todos nós, se tivermos o fogo ao pé de casa, o primeiro apego que temos é protegermos os nossos bens."
Mas depois admitiu que apesar de a primeira missão ser salvar vidas humanas, “pode ter havido aqui ou ali algum exagero".
Em jeito de conclusão, considerou que, globalmente, perante a gravidade dos incêndios, "não ter havido perdas humanas é um bem essencial”.
César Nogueira afirma que o chefe do Governo, ao abrir a possibilidade de haver excessos por parte dos militares, está a contribuir para que “quem andou no terreno com grandes dificuldades, a fazer tudo e mais alguma coisa, às vezes com grande limitação de meios, e ouve o chefe máximo do Governo dizer isto ainda se sente mais desmotivado”.
“Um militar não tem de ser simpático, tem de ser firme”
O presidente da Associação de Profissionais da Guarda, César Nogueira, insiste ainda que “o senhor primeiro-ministro pode dizer o que quiser, até pode ter mais dados do que eu tenho”, para de seguida repetir que ou o primeiro-ministro “tem provas de que houve excessos ou não o devia ter dito”.
“Como é lógico somos sempre considerados os maus da fita, quando é para fazer cumprir a lei e quando as pessoas não querem abandonar as suas casas. Até já ouvi pessoas a dizer que a postura dos militares era arrogante, mas os guardas não têm de ser simpáticos, têm de ser firmes”, sublinha.
A mesma fonte salienta as condições em que os militares operam. “Os guardas estiveram horas e horas e até dias seguidos sem descanso. O única pausa que tiveram foi para dormir no chão e logicamente que o guarda é um ser humano”, afirma, antes de dizer que não pode garantir a 100% que houve ou não houve excessos.
O militar admite que tenham existido mais evacuações do que no passado para se evitar que haja mortes como as que aconteceram em Pedrogão Grande e no 15 de outubro.
Militares agredidos
César Nogueira explica, no entanto, que esta é sempre uma missão difícil. “Sou operacional, patrulheiro, e já vi situações dessas mais do que queria. Percebemos que somos todos humanos, percebemos que as pessoas não queiram deixar as casas, mas a nossa função é preservar a vida das pessoas.”
O mesmo militar adianta que por vezes as pessoas resistem, e que nessa altura tem de “usar todos os meios”.
Admite que por vezes as pessoas são algemadas, mas desvaloriza esse ato. “Liga-se a algema a uma detenção, mas muitas vezes serve para manietar uma pessoa, não só para a preservar, como para defender o guarda”, acrescenta.
Nogueira fala mesmo de casos em que os guardas foram agredidos por particulares em Monchique. “Ficaram com escoriações, mas nada de muito grave. Acontece quando as pessoas estão nervosas e não querem ir”, remata.
Autoridades protegidas pela lei
Nos casos de evacuação, há direitos e interesses em conflito, mas, como explicou, quarta-feira, o advogado Ricardo Serrano Vieira, o direito à vida “é inviolável e não é negociável”.
“Mesmo que o particular não queira sair do local, as autoridades estão devidamente autorizadas, sem que com isso estejam a praticar, o que podia ser visto, como um ato ilícito”, avança o causídico.
“A atuação policial está legitimada no Código Penal. Queremos salvaguardar a vida e a ordem está legitimada quando há o perigo concreto que pode lesar o bem jurídico que é a vida. Os agentes da autoridade têm de agir em conformidade”, acrescenta.