05 set, 2018 - 15:35 • Olímpia Mairos
O presidente da Cáritas Portugal, Eugénio da Fonseca, está preocupado com a crise na Venezuela e com a descredibilização da solidariedade em Portugal.
Em entrevista à Renascença, à margem do encontro da Pastoral Social, Eugénio da Fonseca apela à intervenção da comunidade internacional para a resolução da crise na Venezuela.
Eugénio da Fonseca assegura que a instituição da Igreja a que preside vai ajudar a sua congénere sul-americana, mas não vai promover qualquer campanha de solidariedade, por uma razão simples: “A solidariedade em Portugal foi descredibilizada com as suspeitas lançadas em torno da ajuda a Pedrogão.”
Como é que a Cáritas portuguesa acolhe e acompanha a situação que se vive na Venezuela?
Com uma profunda preocupação. É uma situação que se reveste de contornos desumanitários tremendos. Deveria haver, por parte da comunidade internacional, nomeadamente no quadro das Nações Unidas, uma maior sensibilização dos poderes que estão a governar a Venezuela, para que fosse entendível que há o mínimo de respeito pela dignidade das pessoas e que tem que ser assegurada.
Estes fluxos migratórios que, julgo, é a segunda vez, naquele espaço do mundo, está a acontecer em grande proporção, e que está a criar também pressão sobre países limítrofes que também são pobres, deve ser tido em conta, porque está em causa a vida das pessoas, está a morrer muita gente, a mortalidade infantil está a aumentar, também na gravidez é muito acentuada.
Haverá um caminho para a resolução da crise venezuelana?
Houve, agora, esta medida de passar um salário mínimo que era de um euro para 30 euros por mês e qualquer economista percebe que isto não vai dar bem, vai criar mais desemprego e, depois, a inflação, que já é uma hiperinflação, vai tornar-se enormíssima. Há que encontrar um caminho e este tem que ir pela via diplomática. Nada se consegue por confronto. Nada! O apelo que fazemos é que haja uma intervenção diplomática e que se assegurem os direitos fundamentais das pessoas, porque há coisas que, efetivamente, são incompreensíveis. Esta é a nossa posição e neste campo estamos limitados. Podemos fazer apelos neste sentido, mas as Nações Unidas têm aqui um papel importante.
Sabemos que é um país que tem um mal intrínseco – tem petróleo! Porque se não tivesse este mal, este é um mal, podia ser uma riqueza, mas, infelizmente, em todos os países em que há este recurso natural, há problema. Bendito o país onde não se descobre petróleo.
De que forma a Cáritas portuguesa pode ajudar?
Estamos a equacionar, mas será sempre uma ajuda Cáritas a Cáritas. Será uma ajuda na satisfação das necessidades primárias, sem colidir com a soberania do país. Precisamos de meios para essa ajuda, que possa vir a acontecer. E os meios que a Cáritas tem decorrem da solidariedade, não temos receitas próprias. Vamos, agora, à procura desses meios. Já fizemos uma primeira ajuda. Já foram beneficiadas umas centenas largas de famílias. Agora estamos a estudar o tipo de ajuda. Não queremos que colida com a soberania. Queremos que seja uma ajuda de irmãs, a Cáritas de Portugal para com a Cáritas da Venezuela. E pode ser em bens, se for permitido em termos de entrada, pode ser em verba em dinheiro, e também a apoio a quem vem. Sabemos que a PAR (Plataforma de Apoio aos Refugiados) está a trabalhar no apoio àqueles que se refugiam cá.
A ajuda que estão a estudar à Venezuela vai passar por alguma campanha nacional?
Não, não vai passar. Não vai passar, porque, infelizmente, há que fazer uma reflexão muito séria sobre isto. Infelizmente, os acontecimentos do ano passado, de Pedrógão, vieram descredibilizar as organizações de solidariedade. Lançaram-se suspeitas generalizadas sem nunca se concretizar. E a intervenção do Ministério Público só peca por ter sido tardia. E que venha depressa e com nomes, se se vier a verificar as suspeitas que foram levantadas. E, se formos nós, Cáritas, cá estaremos para assumirmos responsabilidades. Mas que se faça depressa, porque temos que voltar a conquistar a confiança dos portugueses. A ideia que passa ou deixaram passar, e que se entranhou em muita gente, é que nós ficamos com o dinheiro, desviamos dinheiro. A Cáritas não se sente atingida, porque não tem consciência que isso tivesse acontecido e, por isso, deixemos o Ministério Público atuar. Enquanto não voltarmos a dar provas da credibilidade, que por suspeitas todos fomos envolvidos, é difícil lançar uma campanha.
Instalou-se a desconfiança e as pessoas estão mais céticas…
Perguntemo-nos porque é que nenhuma instituição ousou abrir uma conta de solidariedade para com o drama de Monchique. Arderam vinte e tal casas. Há muitos que ficaram sem meios de subsistência. As pessoas não quiseram abrir conta, porque levariam a pensar “mais uns que se estão a aproveitar”. Essa contas são controladas pelo Ministério da Administração Interna, são oficializadas. E o próprio Governo não pode dizer que não tem nada a ver com os dinheiros da solidariedade. Tem! São contas abertas e podem perfeitamente ir ao Banco e ver que dinheiros foram retirados e saber onde foram utilizados. Nós não negamos ao estado a sua autoridade de fiscalizar e aos Tribunais de apoio de julgar e condenar. Não é qualquer cidadão que tem o direito de julgar e, muito menos, suspeitar.
Novas ajudas são possíveis?
Nós vamos ajudar o povo de Monchique com o dinheiro que tínhamos reservado para emergências, sendo certo que, se acontecerem mais algumas até ao final da época dos incêndios, já ficaremos descapitalizados nessa área. Mas iremos ajudar. Já fizemos saber ao Governo que estamos disponíveis para ajudar na nossa medida. Mas tenho muita pena que desta vez, nem um telefonema tivéssemos recebido a dizer “em que é que podemos ajudar?”. Os três e-mails que recebemos foi a dizer “tenham lá cuidado, não voltem a fazer o que fizeram da outra vez”. Isto é muito mau. Isto foi um crime que se cometeu na sociedade portuguesa, porque se pôs doente a solidariedade dos portugueses.
Como reaver a confiança e a solidariedade do povo português?
Temos que trabalhar, não apenas para que haja uma motivação dos portugueses perante os problemas, mas para uma cultura de verdadeira solidariedade, porque quem tem uma verdadeira cultura de solidariedade não se deixa impressionar por suspeitas que tiveram motivações que nada têm a ver com a solidariedade. O que me faz sofrer são os mais pobres, porque eles é que foram os primeiros prejudicados.