21 set, 2018 - 18:00 • Mariana Salazar
Na rua dos Caldeireiros, no centro histórico do Porto, as palavras de ordem estão afixadas nas varandas e nas paredes. “O meu nome é Maria. Fui para a periferia”, “Turismo é bom. Não na nossa casa”, “Não aos despejos. Resistência popular”, pode ler-se.
Noutra parede, pintado a azul, não escapa a frase “Porto Morto”. Duas palavras que funcionam como antítese da cidade nortenha: um Porto cheio de vida e de pessoas, mas vazio de moradores; um Porto cujo centro passou para a periferia.
Lucinda é uma cara conhecida na Rua dos Caldeireiros. É ali que mora há mais de meio século, mas conta que não deve ficar muito mais. Fez um pedido de habitação na Câmara do Porto, há mais de dois anos, mas, até hoje, não obteve qualquer resposta.
“Nestes últimos tempos, é o senhorio que nos anda a pressionar para a gente lhe deixar a casa. Diz que já vendeu… Não sei se vendeu ou se não. Se não tiver para onde ir, eu não saio.”
A renda tem aumentado de ano para ano. “A reforma é pequenina. Tenho a minha e um bocadinho da reforma do meu marido”. As lágrimas escorrem-lhe pelo rosto, mas continua: “Pagando água, luz e gás… Com o que é que eu fico para comer? Muito pouco”. Pensar no dia de amanhã é um dos principais receios de Lucinda, vive na incerteza. “Se me empurram daqui para fora, para onde é que eu vou?”
O falecido marido vivia naquela casa desde 1953 e, agora, a mulher, sem outra hipótese, recusa-se a sair e ir morar para casa dos filhos não é opção: “Eles têm a vida deles. A casinha deles é só para eles e para os filhos. Onde é que me vou pôr? E as minhas coisas? Deito fora?”
O senhorio deixou de aparecer naquele prédio. Segundo Lucinda, “parece que até tem medo de vir aqui ter com a gente”. A mulher apenas tem uma vizinha que trabalha no 1.º andar do edifício degradado. “Aqui está tudo a cair abaixo e aparecem ratos que mais parecem coelhos. Eu ando sempre a meter remédio lá em cima. Antigamente, gastava mais dinheiro em remédio para os ratos do que gastava em renda”.
Uns metros abaixo, vive Maria Augusta, de 64 anos. É com o filho e com Zita, a companheira de quatro patas, que partilha o primeiro andar.
Lembra os tempos em que os moradores dos Caldeireiros eram uma família. “Agora, passo o dia todo aqui no prédio. Agora não há gente com quem falar”, conta.
O interior do prédio onde mora desde que nasceu foi arranjado e o segundo andar é um alojamento local.
“Não sei as ideias do meu senhorio. Tomara a ele que eu saísse, mas eu não saio. Tentou fazer um contrato de cinco anos, mas eu disse-lhe que nem por cinco nem por dez. Só pode fazer contrato quando eu 'bater a solapa'”, diz a inquilina.
A Maria Augusta, a ideia de ir para um bairro não agrada. “Estou bem aqui. Não quero ir para bairros", argumenta.
“Agora é tudo para turistas”, lamenta Maria Augusta. “Estão a esvaziar as pessoas das suas casas só para fazer hotéis.."
Não são apenas os moradores que vêm as suas rendas aumentar. No comércio, muitos são os casos de quem perde o negócio.
É o caso de Daniela [nome fictício], uma cabeleireira de 56 anos, que instalou o seu negócio num dos prédios dos Caldeireiros, onde trabalha desde os 14 anos.
“Vou ter de sair. Deram-me até junho, só que eu fui para um advogado e vamos para tribunal”, suspira.
“As pessoas desta zona estão todas a sair daqui. Estão todas a serem postas fora das suas casas, onde já vivem há mais de 50 anos."
Nos últimos anos, Daniela viu a renda aumentar de 70 até 200 euros mensais. “Ele [o senhorio], agora, quer o imóvel vazio. Quer que eu saia daqui sem nada. Vamos ver o que o tribunal vai dizer. Este é o meu ganha-pão. Com 56 anos, quem é que me vai dar emprego? Ninguém, não é?”, remata.
António Augusto é proprietário de uma barbearia em pleno centro da cidade. Conta histórias de quem por ali passou e histórias de um turismo que levou à “descaracterização da zona histórica”.
Na balança dos "prós e contras", pesa a desertificação. “Só neste bocadinho de 100 metros, mais ao menos, saíram daqui 100 pessoas. A loja do artesanato... ouvi dizer que estava alugada por 100 euros, antes de fazer as obras, e dizem que agora estão a pagar 600 ou 700. Isso é impossível. É muito mau”, desabafa.