25 jan, 2019 - 19:45 • Tiago Palma
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À hora certa, quatro da tarde, a manifestação desta sexta-feira em frente à Câmara do Seixal contra a “brutalidade policial”, nomeadamente a ocorrida no passado domingo, no vizinho Bairro da Jamaica, também no Seixal, reunia já quase meia centena de pessoas, maioritariamente elementos de associações como a SOS Racismo, a Plataforma Gueto e a Consciência Negro, assim como várias (incluindo alguns deputados, como Sandra Cunha ou José Soeiro) ligadas ao Bloco de Esquerda.
Da Associação de Moradores do Bairro da Jamaica, porém, nem sinal. Poucos dias antes da manifestação, esta havia-se demarcado da organização, garantindo que não estaria presente, esta sexta-feira, junto à Câmara do Seixal.
O assessor do Bloco de Esquerda e dirigente da SOS Racismo Mamadou Ba explicou à Renascença que a ausência se deverá ao “medo de retaliações”, isto numa altura em que ainda decorrem os processos de realojamento da população do bairro.
“Eu creio que têm medo de retaliações. Sabemos que está a acontecer o processo de realojamento da população. E é um processo que não tem sido fácil. Compreendo perfeitamente que as pessoas sintam medo de retaliação relativamente ao processo de realojamento. Porque, obviamente, o mais urgente para aquelas famílias é a sua condição de vida, ter um tecto digno. Se alguém lhes passou a ideia de que a manifestação podia fazer perigar esta oportunidade, entendo perfeitamente que não se queiram arriscar”, explicou.
Na quinta-feira, também à Renascença, Dirce Noronha, a presidente da Associação de Moradores do Bairro da Jamaica, garantiu que os confrontos do último fim-de-semana naquele bairro “nada têm a ver com o racismo”, e que o “uso excessivo de poder” por parte dos agentes da polícia resultou do “arremesso de pedras” que sofreram por parte de moradores.
Mamadou Ba, contudo, reafirma a sua anterior posição, explicando que a PSP atuou com base em “ódio” racial.
“Pedradas? Eu não sei se a polícia foi recebida com pedradas. Mas independentemente das circunstâncias em que a polícia foi recebida, as imagens de que dispomos mostram claramente como a polícia interveio. A primeira pessoa a ser agredida, o senhor Fernando, o pai do Hortêncio, estava a dormir, saiu de pijama, e foi a primeira pessoa a ser agredida a soco, a pontapé e à joelhada. O senhor Fernando estava só a tentar afastar o filho da confusão e o que a polícia fez foi agredi-lo da forma que nós vimos. Eu continuo a dizer que houve uma motivação racista, por ódio”, afirmou o dirigente da SOS Racismo.
A posição de Mamadou Ba é partilhada por Sandra Cunha, deputada do Bloco de Esquerda também presente no protesto. À Renascença, explicou que em Portugal “há um problema de racismo institucional".
“O combate à violência passa também pelo combate aos preconceitos, ao racismo, à xenofobia – e nós sabemos que Portugal tem um problema de racismo institucional, um problema estrutural”, referiu Sandra Cunha.
A solução, defende a deputada bloquista, é apostar na formação das forças policias. Sobre o racismo latente nas forças policiais, Sandra Cunha frisa que “o relatório da equipa contra o racismo e insegurança da Comissão Europeia, que saiu no ano passado, refere precisamente isso e faz recomendações nesse sentido – porque há focos de violência, racismo e discriminação nas forças policiais”.
Em junho do ano passado, a responsável pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), Margarida Blasco, já tinha referido "preocupações" com a presença de extrema-direita nas forças policiais portuguesas, citando numa entrevista com a Renascença o último Relatório Anual de Segurança interna, que aludia a "grupos criminosos violentos e organizados" ligados à segurança privada, com especial incidência no setor da diversão nocturna.
No protesto desta tarde, Mamadou Ba foi ainda mais longe que Sandra Cunha sobre este assunto.
Questionado sobre se o preocupava a manifestação do PNR [extrema-direita] esta tarde em Lisboa, que partiu do Ministério da Administração Interna, na Praça do Comércio, e seguiu até perto da sede do Bloco de Esquerda, na Rua da Palma, o dirigente da SOS Racismo apontaria outra preocupação mais premente: “A manifestação [do PNR] é preocupante. Mas ainda mais preocupante é nós termos uma infiltração da extrema-direita na administração pública e, nomeadamente, nas forças de segurança. Isso é o mais preocupante. No dia em que deixarmos o Estado ser capturado por forças de extrema-direita, a democracia está em perigo.”