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Violência doméstica. Quando "pai não é uma palavra boa"

07 mar, 2019 - 15:06 • Marta Grosso

Nelson Nunes, escritor e cronista no jornal “Público”, foi vítima de violência doméstica e já partilhou a experiência numa das suas crónicas. Esta quinta-feira, esteve nas Três da Manhã para falar sobre o assunto.

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“Ainda hoje, quando me dizem 'o teu pai qualquer coisa', há um certo choque de ansiedade que sinto no peito. Pai não é uma palavra boa”, admite Nelson Nunes, escritor e jornalista que viveu o drama da violência doméstica na pele.

A mãe foi vítima do pai desde antes de engravidar. “Quando eu nasci, a coisa, segundo tenho percebido, extremou-se um bocado. Fugimos de casa quando eu tinha dois anos e meio e depois a perseguição continuou durante 10 anos”, conta no programa As Três da Manhã, na Renascença.

A fuga é, aliás, a primeira memória de vida que tem. Mas recorda-se de ver o pai bater na mãe inúmeras vezes, em casas e em espaços públicos, antes e depois de terem fugido de casa.

Hoje, não tem qualquer contacto com esse homem – “nem pretendo ter”. Não o ama, “nem pensar!”, mas “também não o odeia”.

“Houve uma altura em que tinha esses sentimentos negativos, hoje é só profunda indiferença. A pessoa que eu amo é o meu padrasto, que fez as vezes do meu pai, embora eu não o consiga chamar de pai”, afirma.

A mãe, por seu lado, é uma heroína. A heroína do seu próximo livro, que será lançado em maio e que lhe causou ataques de ansiedade “por reviver tudo” enquanto o escrevia.

“A culpa é dos agressores”. O resto é orgulho

Questionado sobre se este novo livro é um ato de coragem, por partilhar uma experiência dolorosa e tantas vezes escondida, o escritor responde que não.

“É orgulho. Nós sobrevivemos. Nós não temos vergonha por ter sobrevivido. As mulheres que sobrevivem não têm de ter vergonha; as mulheres que passam por isto não têm de ter vergonha, a culpa é dos agressores, não é delas”, sublinha na Renascença.

“Há muito esse estigma de haver a vergonha, de as mulheres sofrerem violência doméstica e as crianças, e parece que o estigma cai sobre elas, mas não: a culpa é dos agressores”, reforça.

“Eu tenho algum orgulho na história por termos sobrevivido, tanto eu como a minha mãe”, insiste.

“Se eu lhe bater, pode ser que goste de mim”

Nelson Nunes diz que tudo o que viveu em criança fez dele o adulto que é hoje. E influenciou muitos momentos da sua vida.

“Eu tive uma paixão muito grande, quando era criança, por uma rapariga e houve uma altura, no início, em que eu pensava que, como ela não gostava de mim, se eu lhe batesse se calhar gostava”, conta.

“É arrepiante. É arrepiante uma criança pensar assim, porque é aquilo que vê na figura paterna”, afirma.

O caso passou – “e nunca fiz nada à rapariga”. Nelson percebeu que a mãe não gostava “daquilo, portanto não era uma coisa para se fazer”.

Mas os efeitos do que viveu não se ficaram por aqui.

“Tive uma depressão algo violenta entre os 16 e os 19, porque foi também a altura em que andei à procura da história toda e depois, ao longo dos anos seguintes, ainda lidei com algumas, digamos assim, flutuações de humor”, revela.

“No ano passado, desatei a ter uns ataques de ansiedade que percebi que era porque andava a escrever um romance sobre o tema”, recorda.

Para ultrapassar tudo isto, diz que foi importante “conhecer a história” e “perceber que a culpa não é nossa”.

Hoje, como homem, opta por “fazer as coisas por oposição” ao que o pai fazia: “se ele faz assim, eu tenho de fazer ao contrário”.

Nelson Nunes é autor de vários livros, como “Quem Vamos Queimar Hoje” (histórias de figuras públicas que contam como lidam com o ódio manifestado nas redes sociais), “Isto não é um livro de receitas” e “Com o Humor Não se Brinca”.

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