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Privação do sono é um "problema grave de saúde pública", com "toma obscena de medicamentos"

15 mar, 2019 - 11:54 • Sandra Afonso , Cristina Nascimento

Esta sexta-feira assinala-se o Dia Mundial do Sono. Especialista alerta para a necessidade de reduzir listas de espera para as consultas que podem chegar até aos dois anos.

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As doenças do sono podem manifestar-se de várias formas, no imediato provocam “sonolência, redução do estado de alerta, menos concentração e atenção, menos capacidade de tomar decisões, dificuldade de memória e raciocínio. A longo prazo, a privação do sono pode causar problemas gravíssimos”, diz Joaquim Moita, como “diabetes, doenças cardiovasculares e cancro.” O Coordenador do Centro de Medicina do Sono de Coimbra avisa que “é um problema de saúde pública”.

Ainda não está convencido? Acrescentamos mais algumas. Matthew Walker, no livro “Porque dormimos?”, diz que não existe nenhuma parte do corpo que seja poupada aos efeitos aterradores da falta de sono. Está associada a numerosas condições neurológicas e psiquiátricas, como a “doença de Alzheimer, ansiedade, depressão, perturbação bipolar, suicídio, apoplexia e dor crónica.” Mas também ao corpo humano, com manifestações na “infertilidade, diabetes, aumento de peso, obesidade e imunodeficiência”, entre outras.

Listas de espera chegam aos dois anos

A principal doença do sono é a síndrome de apneia obstrutiva do sono, que pode provocar paragens respiratórias e complicações cardíacas graves. O diagnóstico é essencial, mas “nos hospitais as listas de espera chegam aos dois anos, são muitos doentes para poucos especialistas”, diz Joaquim Moita.

Também muito frequente, a insónia, manifesta-se de várias formas. A mais grave é a crónica, dificuldade em dormir pelo menos três vezes por semana, por mais de três meses. Mas também pode ser inicial, dificuldade em adormecer nos primeiros 30 minutos, intermédia, acordar a meio e dificuldade em voltar a dormir, ou acordar precoce. Em suma, todas traduzem uma insatisfação com a duração ou qualidade do sono, acompanhada de sonolência ou fadiga no dia seguinte.

A falta de sono baixa o rendimento e coloca em risco a vida

A privação do sono acaba por ter consequências também no trabalho. Joaquim Moita lembra um estudo canadiano, segundo o qual “75% dos custos com a insónia crónica resultam da baixa produtividade dos pacientes”. São também uma das causas dos acidentes de trabalho.

Entre 2 a 5% da população sofre de sonolência excessiva, segundo os hospitais CUF, o que tem impacto negativo na atividade escolar, no trabalho, nas relações familiares e sociais e aumenta o risco de acidentes. Só nos Estados Unidos, escreve Matthew Walker, há mais acidentes provocados pelo sono do que pelo consumo de álcool e drogas somados.

É “obsceno” o consumo de fármacos em Portugal

Portugal é dos países que mais fármacos consome para combater os problemas do sono, “é o país europeu na OCDE que mais consome benzodiazepinas, e isto mantem-se ao longo dos anos”, avisa Joaquim Moita. “É preciso combater esta toma excessiva e mesmo obscena”.

As benzodiazepinas são altamente dependentes, “a partir da terceira ou quarta semana tornam-se viciantes”, e levam rapidamente a sintomas de abstinência quando interrompida a toma, avisa o Joaquim Moita. Mas “o medicamento já não faz efeito nenhum, o sono é mais ligeiro, mais fragmentado, com micro-despertares, mas o vício já lá está”. Com a agravante que provoca sedação, que leva muitas vezes a quedas quando as pessoas se levantam a meio da noite, e demência precoce.

Matthew Walker, professor de Neurociência e Psicologia na Universidade de Berkley, escreve que o efeito dos comprimidos atuais para dormir é “de importância clínica questionável e bastante reduzida”. Os comprimidos não proporcionam um sono natural, podem causar danos à saúde e aumentam o risco de doenças potencialmente fatais.

Em casos extremos, a dependência destes fármacos pode conduzir ao sonambulismo com episódios de violência, ou mesmo fazer levar as pessoas a comer durante a noite, mesmo o que não é comestível.

Comprimidos estão a ser prescritos de forma errada

O problema não é a prescrição de benzodiazepinas, que por períodos pontuais podem ser a solução, como situações de luto, o erro está na toma prolongada e até em duplicado.

O Coordenador do Centro de Medicina do Sono de Coimbra denuncia que em Portugal está a ser cometido “o erro de prescrever benzodiazepinas por períodos prolongados, completamente proibido por todas as recomendações nacionais e internacionais, e prescrever mais do que uma benzodiazepina, e isso vem de todas as especialidades”.

Alternativas aos comprimidos

Existem medicamentos alternativos, sem efeitos sedativos e viciantes, e a terapêutica cognitiva comportamental responde aos para problemas como a insónia grave e dependência aos fármacos. Além disso, a maioria dos especialistas já reconhece que esta deve ser a linha da frente, no combate aos problemas do sono.

Matthew Walker, que é também diretor do Laboratório de Sono e Neuroimagiologia na universidade de Berkley, enumera em “Porque dormimos?” 12 dicas para um sono saudável:

1 - Mantenha um horário de sono regular. Adormeça e acorde todos os dias à mesma hora. Dormir até mais tarde ao fim de semana não vai compensar completamente a falta de sono que teve durante a semana e só vai fazer com que seja mais difícil acordar na segunda-feira de manhã. Coloque um alarme para a hora de deitar.

2 - O exercício físico é ótimo, mas não demasiado tarde. Tente fazer pelo menos meia hora de exercício na maior parte dos dias, mas duas ou três horas antes da hora de ir para a cama.

3 - Evite a cafeína e a nicotina. Café, alguns refrigerantes, como a Coca-Cola, alguns chás e o chocolate contêm a estimulante cafeína e os seus efeitos podem demorar até oito horas para saírem completamente do organismo. Os fumadores acordam por norma bastante cedo de manhã, devido à ressaca de nicotina.

4 - Evite consumir bebidas alcoólicas antes de ir para a cama.

5 - Evite grandes refeições e ingerir demasiadas bebidas à noite.

6 - Se possível, evite medicamentos que adiem ou perturbem o sono. Alguns dos medicamentos mais vulgarmente receitados para o coração, a pressão arterial ou a asma, assim como outros de venda livre e alguns à base de ervas para a tosse, constipações e alergias, também podem alterar os padrões do sono.

7 - Não faça sestas depois das três da tarde.

8 - Descontraia antes de ir para a cama. Uma atividade descontraída, como por exemplo ler ou ouvir música, devia fazer parte do seu ritual de sono.

9 - Tome um banho quente antes de dormir.

10 - Escureça o quarto, torne-o mais fresco e não tenha objetos que o distraiam. Livre-se de tudo o que o puder distrair do sono, como barulhos, luzes brilhantes, uma cama desconfortável, ou temperaturas quentes.

11 - Tenha uma exposição solar adequada. A luz do dia é fundamental na regulação dos padrões de sono diários. Tente sair à rua e receber luz natural durante pelo menos 30 minutos por dia. Se possível, acorde com sol ou use luzes bastante brilhantes de manhã.

12 - Não fique acordado na cama. Se der por si acordado depois de estar na cama há mais de 20 minutos, ou se começar a ficar ansioso ou preocupado, levante-se e faça qualquer coisa relaxante até sentir sono. A ansiedade de não conseguir dormir pode fazer com que seja ainda mais difícil adormecer.

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