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​Advogados não deviam poder exercer outras profissões, defende bastonário

28 mar, 2019 - 00:00 • Eunice Lourenço (Renascença) e Ana Henriques (Público)

O bastonário da ordem dos Advogados não acredita que nesta legislatura seja feita uma reforma dos conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público. E lamenta que os políticos não tenham dado seguimento ao acordo entre os agentes da justiça.

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O bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo, diz em entrevista à Renascença e ao “Público” que há advogados a mais e defende restrições. Quanto às incompatibilidades de deputados, considera que o que falta é mais fiscalização e não mais impedimentos

Há advogados a mais em Portugal?

Claro que há e é uma questão muito difícil de resolver. Temos cerca de 32 mil advogados e 3.500 estagiários. Mas temos muitas faculdades de Direito que têm de ter fontes de receitas, sejam privadas ou públicas. Quem se licencia em Direito a primeira ideia que tem é ir para a advocacia - até porque não tem “numerus clausus”, ao contrário de outras atividades. Uma das soluções que tenho referido é criarmos uma incompatibilidade absoluta com o exercício de outras profissões, de modo a que quem é advogado só possa ser advogado. Hoje há quem acumule a advocacia com outras profissões por questão de sobrevivência. Muitos dos que vêm para a advocacia nem é por vocação, é por se tratar de uma saída profissional.

E não deve poder ser deputado?

Aí é outra matéria, porque é como criar um adesivo a dizer que a advocacia é um problema [para o exercício do cargo de deputado] que nenhuma outra profissão o é. Há estudos que mostram que na saúde é muito pior. Quem tem de resolver o problema dos deputados é o Parlamento, no estatuto dos deputados. Não podem lavar as mãos disso e chutá-lo para a Ordem dos Advogados, em vez de criarem um normativo musculado sobre os impedimentos e os conflitos de interesses dos deputados.

Seriam necessários mais fiscalização e menos incompatibilidades?

Claro que sim.

E que outras soluções preconiza?

Terá que haver saídas profissionais para outras áreas. Há quem defenda a obrigatoriedade de ter um mestrado para entrar na profissão. Mas esta solução tem um lado que me incomoda: poder afastar quem tem mérito, porque o mestrado custa muito dinheiro.

Tem-se discutido a alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público, com o PSD a defender que deve deixar de haver maioria de magistrados. Como vê um eventual consenso com o PS neste assunto?

Acho que o PS não subscreverá isso. Temos é de pensar se não devia haver um controlo jurisdicional do Ministério Público e se o juiz de instrução criminal não se tornou, afinal, num chefe do Ministério Público durante a investigação - completamente ao contrário do que devia ser. O Conselho Superior da Magistratura tem uma maioria de membros que não são juízes e devia incluir os tribunais administrativos e fiscais. Também não devem haver dois Supremos, um para os tribunais judiciais e outro para os administrativos e fiscais. Não faz sentido que o presidente dos conselhos superiores seja um cargo por inerência, porque perde legitimidade: devia ser nomeado pelo Presidente da República ou pela Assembleia. E estas questões, que são de fundo, não se discutem, vai-se logo para o mata e esfola.

O que é que a Justiça ganhou com a “geringonça”?

Sem olhar para as coisas de forma tão política, posso dizer que não houve grandes reformas, mas houve melhorias, desde logo na celeridade dos processos - à exceção dos tribunais administrativos e fiscais e dos tribunais do comércio. Devíamos atuar aqui. Espanha criou uma entidade independente junto da autoridade tributária para estas questões, o que significa que 30% dos casos não chegam sequer a tribunal porque podem dar razão ao contribuinte. Temos de encontrar soluções que não desvalorizem os tribunais como centro fundamental do Estado de Direito democrático - como é o caso dos tribunais arbitrais.

Faz um balanço global positivo do desempenho da ministra Francisca Van Dunem?

Muitas destas reformas são a continuação do que já vinha antes. Neste mandato não foi feita muita coisa, houve a ideia de estudar bem os dossiers, mas há muitas questões que ficam por resolver - nalguns casos por exiguidade de meios. Não tenhamos ilusões: a justiça tem poucos meios.

Por falta de peso político?

Sim, mas sobretudo financeiro. A justiça é vista hoje mais como um centro de receção de receitas do que de despesas. Tornou-se um bem económico em vez de ser um bem social, o que é terrível. É uma questão de prioridade política do Governo. E a oposição, onde está?

A oposição não pôs a justiça na agenda?

Ninguém pôs. Por isso é que o pacto não teve qualquer repercussão.

Nos últimos tempos demitiram-se várias pessoas dos órgãos dirigentes da Ordem dos Advogados. Isso fragiliza-o?

Bem pelo contrário: por vezes percebemos que nem todos temos os mesmos objetivos. Se fôssemos um governo, faríamos uma remodelação e isso teria resolvido as coisas. Se as pessoas se divorciam, por que não há-de haver também divórcios nas equipas?

As quotas para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores desceram. Como está a saúde financeira da Caixa?

Está boa, vários estudos vieram dizer que está muito bem. Alargou o âmbito da assistência, nomeadamente na parentalidade. E estou convencido que ainda vamos melhorar a sua resposta às necessidades dos profissionais liberais.

Como encara a proposta do Bloco de Esquerda para os advogados assalariados?

O BE pegou na proposta apresentada pela Ordem, copiou grande parte e deu-lhe uma nota ideológica. Ainda estamos a melhorar a nossa proposta.

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