18 abr, 2019 - 00:00 • José Pedro Frazão (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)
Aos 40 anos de idade, o Serviço Nacional de Saúde precisa de todos, inclusive os que estão na reserva. Francisco George deixa o apelo tomando partido pela dimensão maioritariamente pública do SNS como defende a ministra da Saúde, também visita de casa de um antigo director-geral que ainda não diz quem foi o seu preferido na pasta.
Costuma fugir à pergunta sobre os melhores ministros da Saúde com quem trabalhou, porque diz que ainda não encontrou uma grelha para o avaliar. Nunca iremos ter uma opinião sua sobre o melhor dos sete ministros com quem trabalhou?
Sim, vai ter. Estou a trabalhar nessa grelha.
Mas já diminuiu a lista a um ou dois ministros que se destacaram mais que os outros?
Não vou responder hoje a essa questão. Entre os sete, devo dizer que fiquei amigo de todos ao ponto de conviver em refeições e em troca de visitas. Por isso, não vai agora pedir-me isso.
É amigo de Marta Temido?
Sou muito amigo. Trabalhei com ela enquanto director-geral da Saúde, era minha homóloga como presidente da Administração Central do Sistema de Saúde. A resposta que dá é muito positiva na pasta que tem como ministra, com as dificuldades que tem. Há poucas mulheres com menos de 50 anos de idade com a capacidade intelectual e até de conhecimento para gerir uma pasta como a da Saúde. Ela geria 9 mil milhões de euros por ano de uma forma vertical.
E as relações da ministra com os médicos?
É uma questão clássica. Percebo, sou médico, antes de mais nada. Sempre me dei bem com bastonários à luz daquele princípio de corpo, de oficiais do mesmo ofício. É uma confraria, colegas que em regra defendem-se uns aos outros. Nós, médicos, não costumamos gostar de administradores que se ponham pela frente.
A sua filha é enfermeira. Como viu estas paralisações?
Mal. Não concordo com greves de médicos ou de enfermeiros. Não fazem sentido, não podem existir. Sou a favor de movimentos grevistas quando são justos e sobretudo com raízes na história recente de luta dos trabalhadores e operários muito explorados contra os seus patrões.
A greve é um instrumento para lutar por esses direitos.
Sim, mas o doente não é o patrão do grevista. Esta é a grande diferença. O grevista lesa o patrão na sua relação laboral. Quando o grevista é médico ou enfermeiro, não está a lesar o patrão mas o doente. Nenhum doente a meu ver devia molestado, desassossegado, quando vai a uma consulta e vê que há greve. Isto é inaceitável, intolerável no plano da ética que eu observo. No meu entendimento, a greve não é um direito de médicos e enfermeiros.
Portanto, está chocado com o que se passou nos últimos meses.
Muito. Choco-me muito.
Acha que o Governo tem gerido bem esse processo ? Recorreu por exemplo à requisição civil.
Para mim, a requisição civil seria como agora com a questão dos combustíveis, visa proteger o interesse público à custa do interesse de determinado grupo profissional. Sou a favor de requisição civil de médicos e enfermeiros quando está em causa o não-cuidado de doentes em tempo certo.
Revê-se na proposta do Governo de Lei de Bases da Saúde?
Sim. Eu estou, no plano filosófico, muito próximo do pensamento de Marta Temido de quem sou amigo.
Também é amigo de Maria de Belém Roseira, que pensa de modo diferente.
Pois pensa, mas neste caso é diferente. Quando falo em amizade com Marta Temido, falo em coincidência com o pensamento filosófico destas questões.
Gostava de ver a proposta do Governo aprovada até ao fim da legislatura?
Gostava de ver a proposta aprovada com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista porque é uma forma de impedir a degradação do Serviço Nacional de Saúde. É preciso fazer uma opção.
Defende então uma gestão maioritariamente pública?
Sim, o Serviço Nacional de Saúde é público, temos todos de ter a noção. Falei algumas vezes com António Arnaut. Numa das últimas foi ele que me telefonou depois de eu ter feito umas declarações que ele terá gostado sobre o Serviço Nacional de Saúde. E eu insistia que o SNS, no contexto do Estado social, era insubstituível mas que os portugueses tinham que chamar a si a defesa e aprofundar o próprio serviço. Esta contestação entre actividade privada e pública não tem sido saudável. Muitos médicos do público fazem trabalho no privado em períodos distintos do dia.
Defende a dedicação exclusiva dos médicos?
Sim, foi sempre isso que eu fiz durante toda a minha carreira, que foi longa, de 44 anos. Foi sempre esse o meu principio.
Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, diz que não há dinheiro para a dedicação exclusiva dos médicos...
É a opinião dele, não é a minha. Há dinheiro para pagar a dedicação exclusiva. Só que defendo que era preciso reestruturar todo o sistema, incluindo a questão do seguro público que é a ADSE.
Defende o fim da ADSE?
Defendo mais do que o fim. A ADSE devia ter sido dissolvida em 1979, quando os outros subsistemas foram. A ADSE é criada por Salazar em 1963, numa altura em que os funcionários públicos ganhavam muito pouco, mas Salazar não queria que fossem mendigos. E então arranjou ali uma forma de eles terem acesso a médicos privados. Surge assim o seguro para os funcionários públicos poderem ir a médicos privados e não terem que ir ao hospital público. Aliás, na altura nem havia Serviço Nacional de Saúde nem sequer hospitais... Este sistema existiu numa altura em que os funcionários públicos não tinham outros meios e os hospitais não existiam. Hoje temos um serviço que cobre o litoral, o interior, o norte, o sul, as regiões autónomas e os funcionários públicos não são o mesmo.
Como resolve então?
O remédio não pode deixar de ser esse. São 600 milhões de euros para pagar a serviços privados prestados pelos médicos que vêm do público e fazem umas horas no privado. Com a agravante de os hospitais privados terem ido buscar os melhores...
Para mantê-los na esfera pública vai ter que pagar.
Qual o problema ? Os juízes não são pagos pelo Estado?
Está envolvido nas comemorações dos 40 anos do SNS, a pedido expresso da ministra da Saúde. Qual é o desafio central do Serviço Nacional de Saúde?
É a mobilização geral de médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, mas sobretudo dos cidadãos. É preciso que todos garantam a boa gestão através da participação no SNS. Há que chamar todos. Os reservistas têm que vir, têm que ser chamados para continuar o Serviço Nacional de Saúde.Aos 40 anos de idade, o Serviço Nacional de Saúde precisa de todos, inclusivé os que estão na reserva. Francisco George deixa o apelo tomando partido pela dimensão maioritariamente pública do SNS como defende a ministra da Saúde, também visita de casa de um antigo director-geral que ainda não diz quem foi o seu preferido na pasta.