27 jun, 2019 - 00:25 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Roque da Cunha, foge a falar do ‘seu’ PSD, mas não foge a criticar Marcelo Rebelo de Sousa. Em entrevista à Renascença e ao Público, o sindicalista acusa o Presidente de ser tímido na defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS). E até podia fazer mais pelos médicos dos hospitais militares, defende.
A discussão da Lei de Bases da Saúde é para si uma cortina de fumo?
Objetivamente, não sou eu que acho. O epílogo desta lei é evidente. Não há nada em termos de organização que não seja possível fazer e melhorar em relação ao SNS por causa da lei de bases. O importante é discutir-se por que é que os recursos humanos são escassos, por que não se investe nos equipamentos, por que há hospitais que não saem do papel, nomeadamente, o Hospital Todos os Santos em Lisboa, que desde a altura da troika teve autorização através de uma PPP [parceria público-privada]. O que estamos a discutir é o pisca-pisca, vira à esquerda, o pisca-pisca, vira à direita.
Como vê esta possibilidade de a lei de bases ser aprovada à direita?
Lá está, é o pisca-pisca.
Como vê, e uma vez que é militante do PSD, o seu partido a aparecer a salvar António Costa quando à esquerda as negociações da lei de bases não está a ter bons resultados?
Deviam estar a discutir neste momento por que é que o SNS está como está, por que o financiamento é como é, de que forma poderíamos aumentar o financiamento, de que forma íamos garantir que os recursos estão a ser bem utilizados, por que é que os médicos saem do SNS, em vez de estarmos aqui com discussões políticas, que com certeza são muito interessantes num circuito fechado mas que aos cidadãos que esperam dois anos por uma consulta ou uma cirurgia é muito difícil compreender.
Como sindicalista, qual é o partido que mais perto está de defender aquilo que o SIM defende?
Não me compete a mim fazer escolhas. Gostava que estivessem todos imbuídos de um espírito de salvamento do SNS.
A esquerda centra-se a falar de questões mais ou menos esotéricas como a lei de bases porque não conseguiu fazer nada pela saúde nos sucessivos Orçamentos de Estado?
Esperava que o SNS nestes quatro anos tivesse sido fortalecido pela maioria que suporta o Governo. Isso não ocorreu. Manifesto o meu claro desapontamento por isso ter ocorrido especialmente por parte de um PM que, invocando a sua sensibilidade social, encara a saúde como um irritante, não fala, não quer encontrar soluções, acha se calhar que a culpa é das pessoas que ficam doentes como no caso do cartão do cidadão.
Em fevereiro do ano passado, disse em entrevista ao jornal i que havia uma cabala dentro do próprio Governo contra o ministro da Saúde. Adalberto Campos Fernandes acabou por ser substituído. Isso significa que a cabala resultou?
O meu sentido de humor sempre foi algo bastante apurado. Infelizmente, quando dizia com sentido de humor que o dr. Adalberto concordava connosco a 95%, veio a verificar-se. O partido do Governo abandonou a Saúde como prioridade e isso é evidente nos resultados das listas de espera. Como sindicalista, esperava que perante um primeiro-ministro que proclama o seu amor pelo SNS, um Governo que proclama esse amor, uma maioria que o apoia, perante uma oposição que na prática não tem objetivamente contrariado esta ideia de SNS, as coisas pudessem estar melhores. Não vamos desistir.
A situação exigiria uma outra atitude por parte do Presidente da República?
O professor Marcelo Rebelo de Sousa está perfeitamente ciente das nossas questões. Também me tem dececionado a incapacidade do professor Marcelo Rebelo de Sousa em sensibilizar o Governo nesta matéria. Tem tomado posições públicas em relação a muitas matérias... ainda recentemente, e muito bem, soubemos do telefonema à sra. procuradora-geral da República em relação à corrupção.
Na prática, pôs-se ao lado da greve dos magistrados do Ministério Público. Espera também um telefonema do Presidente da República a pôr-se ao lado da greve dos médicos?
Não queria cometer essa indelicadeza de pedir publicamente reuniões com o professor Marcelo Rebelo de Sousa ou sequer fazer qualquer fait divers sobre esta matéria. O professor Marcelo Rebelo de Sousa sabe muito bem os problemas e os apelos que fizemos não só sobre SNS, mas também com o que está a acontecer com os médicos civis nos hospitais do Ministério da Defesa e que é algo de perfeitamente inenarrável. O sr. Presidente da República que é também comandante supremo das Forças Armadas poderia ter aqui um papel mais pró-ativo. Registamos com pena e com mágoa e esperamos que no futuro essas questões sejam ultrapassadas.
Diz que o Presidente da República tem conhecimento dos factos, mas em público não tem dado esse apoio.
Temos essa mágoa. Pela sua influência e sensibilidade, gostaríamos que a sua presidência de proximidade estivesse mais próxima do SNS.