01 jul, 2019 - 20:59 • Redação com Lusa
O empresário José Berardo garantiu esta segunda-feira que já pagou, quase só em juros, cerca de 231 milhões de euros à banca a “troco de nada”, rejeitando a ideia de ter ficado “com muitos milhões” dos portugueses.
“Nem eu, nem nenhuma entidade entidade ligada a mim, alguma vez tivemos ao nosso dispor (...) dinheiro que tenha sido emprestado pela CGD [Caixa Geral de Depósitos], ou por outros bancos”, assegurou José Berardo numa carta aberta ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
O empresário indicou que todo o dinheiro foi perdido “por ter sido imediatamente usado na aquisição de ações” e acrescentou que, quase só em juros, já pagou quase 231 milhões de euros à banca. “E como se não bastasse o ataque ao meu património, tenho agora que defender-me do ataque ao meu bom nome”, vincou numa carta com cinco páginas, em que considera que foram violados os seus direitos fundamentais na audição na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) de dia 10 de maio.
“É caso para dizer que a casa do povo fechou a porta à violação dos meus direitos fundamentais, mas logo abriu a janela a essa mesma violação”, defendeu, referindo-se ao facto de o presidente da comissão de inquérito ter acedido ao seu pedido e ter mandado sair da sala as televisões e as rádios, acabando a audição por ser transmitida por várias estações, com sinal do Canal Parlamento.
A 23 de maio, o empresário conhecido como Joe Berardo tinha admitido ter-se excedido durante a sua audição, ressalvando que não tinha a intenção de “ofender”, e hoje afirmou que respondeu “no mesmo tom de desafio a perguntas também elas provocatórias, quando não vexatórias”. Para Berardo, a divulgação das imagens causou danos à sua honra pessoal, e faz com que a sua posição em vários processos judiciais que lhe foram movidos “dificilmente possa vir a ser apreciada com o necessário distanciamento”, uma vez que os tribunais, “ainda que inconscientemente, não são imunes aos efeitos da opinião pública”.
O empresário madeirense apelou ainda a Ferro Rodrigues que não permita que outro cidadão seja sujeito a semelhante situação e que exija aos deputados das comissões de inquérito “que não se desviem do seu fim de julgar atos políticos e de quem decide ser gestor de empresas públicas, aproveitando as mesmas para mera promoção partidária”. “Eu penitenciei-me dos meus excessos. Os excessos de outros intervenientes (…) foram mero brio parlamentar?”, questionou.
No mesmo documento, Joe Berardo fez referência a declarações de Manuela Ferreira Leite ao jornalista José Alberto Carvalho, da TVI, dias após a comissão de inquérito, quando defendeu que as comissões parlamentares não têm poderes judiciais, mas apenas de avaliação política. “Citei a Dra. Manuel Ferreira Leite quanto ao atual funcionamento das comissões de inquérito porque não ignoro que a minha credibilidade ficou afetada pela transmissão televisiva ilícita da minha inquirição e do aproveitamento comunicacional dos seus momentos menos felizes nos últimos meses”, lamentou.
O empresário referiu ainda que nunca foi gestor público ou agente político, notando que “não aceita” que a comissão em causa faça julgamentos políticos ou que o “pressione” a revelar factos que não estejam “relacionados com atos dos gestores da CGD e dos responsáveis políticos e públicos pela supervisão da mesma”.
A 20 de abril, CGD, BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros, executando ainda a Fundação José Berardo e duas empresas ligadas ao empresário. O valor em dívida às três instituições financeiras totaliza 962 milhões de euros.
Leia aqui a carta de Joe Berardo a Ferro Rodrigues na íntegra:
Excelência
Eu Defendo-me!
O meu nome é José Manuel Rodrigues Berardo, nascido no Funchal, Ilha da Madeira, no dia 4 de Julho de 1944, pelo que me dirijo a V. Exa. na semana em que faço 75 anos.
Pouco devo ao Estado Novo Português, porque só tive oportunidade de frequentar o ensino primário tendo começado a trabalhar aos 13 anos.
Aos 17 tive que emigrar para a Africa do Sul, País que me deu a oportunidade de constituir família e de ter sucesso profissional e reconhecimento social.
Mas apesar de pouco dever ao Estado Novo Português, esse facto nunca diminuiu o meu Amor por Portugal.
Voltei a Portugal depois do 25 de Abril de 1974 e acreditei e quero continuar a acreditar na Construção de um Estado de Direito Democrático, mais justo e mais inclusivo.
Para este fim também procurei dar o meu contributo, através da criação de estruturas (museus e jardins) que possibilitam o usufruto pela população de bens culturais, e criei ainda a instituição particular de solidariedade social, Fundação Berardo, através da qual foram atribuídas quase dezasseis mil bolsas de estudo a estudantes madeirenses para frequentarem cursos superiores fora da Região Autónoma da Madeira, além de vários outros apoios sociais e individuais.
Cumpri o meu Dever no passado dia 10 de Maio comparecendo na II Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos, convicto de que os meus direitos fundamentais seriam respeitados, salvaguardando- se o meu direito à imagem e à defesa, não se permitindo que a minha inquirição, sujeita por lei às regras do processo penal, fosse transmitida pelos meios de comunicação social com a minha oposição expressa.
Direitos esses que foram reconhecidos, pois o Senhor Presidente da Comissão mandou sair da sala todos os canais de televisão e rádios comerciais.
Mas logo depois, de forma surpreendente, violou a Comissão os meus direitos permitindo a transmissão pelo canal Parlamento que, pasme-se, por lei tem o dever de facultar o seu sinal gratuitamente a todos os canais comerciais.
Consequência: a minha Inquirição foi transmitida em directo por vários canais de televisão.
E caso para dizer que a Casa do Povo fechou a porta à violação dos meus direitos fundamentais mas logo abriu a janela a essa mesma violação.
Imagine-se o que seria para o respeito dos direitos fundamentais as inquirições em processo penal serem transmitidas em Directo!
Onde está o Portugal Democrático que se indignou, e bem ainda, recentemente com a transmissão indevida de inquirições em processo Penal ( seja quem for o cidadão que for vitima de tal devassa)?
Eu não me indigno só. Eu Defendo-me. Tenho a certeza que os defensores da Democracia e do Estado de Direito também o farão.
Fui sujeito a um interrogatório de mais de 5 horas, sem direito a contraditório.
Ao Interrogatório, sujeito formalmente à lei processual, os Senhores Deputados aplicam ultimamente as regras do Debate político, a que só deve estar sujeito quem tem a vontade e a honra de querer desempenhar cargos políticos.
Em 5 horas, tive alguns momentos infelizes em que respondi no mesmo tom de desafio a perguntas, também elas provocatórias, quando não vexatórias (V. Exa. certamente estará atento ao facto de que esta queixa, sob o tom provocatorio com que os senhores deputados se dirigem a muitos cidadãos que se deslocam às comissões de Inquerito passou a ser costumeira).
Com isso, provoquei indignação de muitos políticos e de “opinion Makers”, sendo essa minha inquirição reproduzida e comentada vezes sem conta nos quase dois meses que se passaram desde a mesma.
Além dos danos à minha honra pessoal, essa divulgação tem ainda por resultado que a minha posição perante os vários processos judiciais que me foram movidos dificilmente possa vir a ser apreciada com o necessário distanciamento, pois os tribunais, sendo uma realidade humana, onde decidem homens e mulheres, não são imunes, ainda que inconscientemente, aos efeitos da opinião pública.
Pensava eu que as Comissões Parlamentares serviam para julgar actos e responsabilidades políticas, não para julgar causas privadas. Estas últimas, num Estado de Direito, devem ser julgadas, penso eu, nos Tribunais.
Mas eu fui objecto de um verdadeiro julgamento popular nessa tarde de sexta-feira, com várias qualificações sumárias do meu carácter, sujeito a transmissão televisiva que não autorizei. Perante tal actuação: Eu Defendo-me.
Espero que V. Exa. não permita que de futuro algum outro cidadão da República Portuguesa seja sujeito ao que eu fui nessa tarde de dia 10 de Maio de 2019.
Espero ainda que V. Excelência exija de futuro que as Comissões de Inquérito não se desviem do seu fim de julgar actos políticos e de quem decide ser gestor de empresas públicas, aproveitando as mesmas para mera promoção partidária, com sacrifício dos direitos fundamentais de cidadãos que vão cumprir deveres legais sem quaisquer responsabilidades políticas.
Os Cidadãos não podem ser julgados em comissões de Inquérito da Assembleia da República. Para isso devem existir os Tribunais. Eu Defendo-me.
Tenho a certeza que V. Excelência tudo fará para Defender que de futuro isso não volte a acontecer.
Eu penitenciei-me dos meus excessos. Os excessos de outros intervenientes nessa sexta-feira foram mero brio parlamentar? Pode um cidadão ser sujeito de apreciações de carácter objectivamente ofensivas por parlamentares com imunidade? Eu Defendo-me.
Eu Defendo-me, mesmo quando me ameaçam sistematicamente com queixas criminais.
A propósito de tudo aquilo de que tenho que me defender cito a Dra. Manuela Ferreira Leite que, dias após a minha inquirição na Comissão respondeu a pergunta do jornalista José Alberto Carvalho a propósito do que pensa do actual funcionamento das comissões parlamentares:
«José Alberto Carvalho
Perante o que tem acontecido sabendo eu que é um tema que é especialmente caro para si, não lhe parece que o que está a resultar, de uma forma muito evidente nesta Comissão de Inquérito, talvez até de forma mais evidente que temos visto nos últimos anos se pode traduzir num certo desprestigio da função politica e das funções da Assembleia da República que no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito são equiparadas a um Tribunal, o poder é um poder para- judicial que tem em teoria o mesmo tipo de competências?
Manuela Ferreira Leite
Pois é essa exatamente ... a grande confusão e o grande equívoco que existe nas Comissões Parlamentares de Inquérito, motivo pelo qual eu não sou propriamente uma fanática apologista das Comissões de Inquérito. As Comissões de Inquérito da Assembleia da República, as Comissões Parlamentares, têm regras rígidas, as pessoas não podem deixar de ir e estarem presentes se forem convocadas. Mas a Comissão Parlamentar não tem poderes judiciais. Não tem. Têm só poder de avaliação política. O poder judicial, os tribunais é que têm poder judicial e esses não têm poder político. Não podem fazer avaliações com base em critérios de natureza politica, motivo pelo qual efetivamente o facto da Comissão Parlamentar de Inquérito ser alguma coisa que neste momento, há uns anos isso não era assim, mas atualmente são transmitidas em direto através da Comunicação Social, torna muito visível a sensação das pessoas que estão a ouvir, que aquilo é um julgamento e com um julgamento eu não só tento saber o que a pessoa tem a dizer sobre a matéria, como deve sair de mim uma punição, alguma decisão, alguma punição sobre a matéria, coisa que eu não posso fazer, a não ser fazer uma avaliação politica.»
Citei a Dra. Manuela Ferreira Leite quanto ao actual funcionamento das Comissões de Inquérito porque não ignoro que a minha credibilidade ficou afectada pela transmissão televisiva ilícita da minha inquirição e do aproveitamento comunicacional dos seus momentos menos felizes nos últimos dois meses.
Eu Defendo-me, apesar de ter consciência de que o meu direito de defesa judicial ficou gravemente afectado com a transmissão não autorizada da minha inquirição e com as perguntas a que me vi constrangido ilegitimamente a responder, manifestamente fora do âmbito dos trabalhos da Comissão de Inquérito.
Mas não me transformem em agente político, nem gestor público, que isso nunca fui.
Por isso Defendo-me e não aceito que a Comissão faça julgamentos políticos da minha pessoa ou me pressione para que revele factos que não estejam relacionados com actos dos gestores da Caixa Geral de Depósitos e dos responsáveis políticos e públicos pela supervisão da mesma.
Estou certo que V. Excelência vai garantir o regular funcionamento das Comissões de Inquérito, reconduzindo-as à apreciação de actos e responsabilidades políticas e públicas.
Eu defendo-me, mesmo quando querem dar de mim, a ideia de ter ficado no bolso com muitos milhões dos Portugueses, quando isso não pode estar mais longe da verdade. Nem eu, nem nenhuma entidade ligada a mim, alguma vez tivemos ao nosso dispor nenhum dinheiro que tenha sido emprestado pela CGD, ou por outros bancos.
Na verdade, todo esse dinheiro foi perdido, por ter sido imediatamente usado na aquisição de acções (o que os Bancos sabiam e até incentivaram desde início) que perderam a quase totalidade do seu valor devido à crise de 2008, sem que tenha havido nenhum retorno do investimento. Pior, desde aí, na tentativa de procurar pagar, além de terem sido vendidas as acções compradas com os empréstimos e que tinham sido dadas em penhor (que a CGD só decidiu vender quando já não valiam quase nada), ainda reforcei as garantias prestadas a dívidas que não eram minhas, mas de entidades de que era Legal Representante, tendo perdido grande parte do meu património dessa forma. Mas nem com a entrega desses bens consegui pagar a dívida, tendo pago quase só em juros, à volta de 231 milhões de euros (que a Banca foi muito convenientemente registando como proveitos ao longo da Crise). Veja-se bem: já paguei à banca cerca de 231 milhões de euros em troco de nada. E como se não bastasse o ataque ao meu património, tenho agora que defender-me do ataque ao meu bom nome.
Eu Defendo-me apesar de tudo. Tenho a certeza que V. Excelência nos defenderá a Todos.