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Dia Internacional das Pessoas com Deficiência

A odisseia de um tetraplégico na CP. Os requerimentos, os horários e as casas de banho inacessíveis

04 dez, 2019 - 00:43 • Ana Carrilho

Sérgio Lopes anda numa cadeira de rodas elétrica e grande parte das suas deslocações são feitas de comboio, o que exige grande planeamento e burocracia. “Há muita coisa a fazer para acabar com estas discriminações”, sublinha. CP diz estar a melhorar o serviço.

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Cada vez que precisa de andar de comboio, Sérgio Lopes tem que planear bem a viagem. Antes de mais, tem de consultar a lista de estações com SIM – Serviço Integrado de Mobilidade da Comboios de Portugal (CP) e ver se são acessíveis. Verificar horários e garantir que o serviço que pretende (urbano, regional, Intercidades, InterRegional, Alfa Pendular) é prestado nas estações de partida e destino e, em caso de transbordo, se essas estações também preenchem as condições.

A fase seguinte é o pedido de serviço à CP. À Renascença, Sérgio referiu uma antecedência de 24 horas, mas talvez ainda não saiba que, desde outubro, a empresa ferroviária só exige 12h. Deve fazê-lo através do telefone, com uma chamada paga para o 707210746 ou pelo site www.cp.pt, preenchendo um formulário com “cerca de 15 questões”.

É um requerimento para cada viagem: se for ida e volta, terá de fazer dois. E não adianta ser passageiro frequente e querer “adiantar serviço”, o processo é o mesmo. “Serve apenas para o revisor estar à nossa espera para entrarmos no comboio com a cadeira”, explica. Para concretizar a viagem precisa da confirmação da CP, frisa a empresa num manual de procedimentos para o cliente, atualizado em setembro e que fez chegar à Renascença.

Mas nem todos os comboios estão preparados para receber cadeiras de rodas elétricas. O Intercidades só permite o embarque de passageiros com necessidades especiais em cadeiras de rodas manuais dobráveis, porque as portas são muito estreitas. Lá dentro, o cliente usa uma cadeira exclusiva até ao lugar, que terá de ser em segunda classe porque os bancos da primeira têm apoios de braço fixos. E é melhor não pensar em ir à casa de banho, porque não são de acesso universal.

“Ou seja, temos que usar o Alfa Pendular, que nos fica mais caro e só leva duas cadeiras por comboio, ou o regional, se houver. E obriga-nos a uma viagem mais prolongada”, detalha Sérgio Lopes.

O problema da acessibilidade coloca-se em relação ao material circulante mas também nas infraestruturas, as estações. Nem sempre há elevadores e por vezes os acessos às plataformas são difíceis.

Incompreensivelmente, porque é das mais moderna, a Estação do Oriente, em Lisboa, é das piores para entrar nos comboios urbanos, revela Sérgio. É preciso informar o funcionário da estação para colocar a rampa, mas ele apenas “está disponível entre as 7h e as 22h”.

Sérgio trocava a “borla” por comboios mais acessíveis

Este ano, mais uma vez, a CP associou-se ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, tendo proporcionando viagens grátis, esta terça-feira, não só ao próprio cliente como também a um acompanhante. Sérgio assinala a iniciativa como positiva, mas trocava bem a “borla comemorativa” por melhores condições no resto do ano. “Há muita coisa a fazer para acabar com estas discriminações. Por exemplo, colocar mais rampas, melhorar a manutenção, simplificar o requerimento do serviço”, detalha.

Os problemas não são exclusivos da CP. Dando como exemplo Lisboa, a área metropolitana que conhece melhor, Sérgio Lopes lembra que é necessário garantir que as rampas de acesso aos autocarros funcionam e queixa-se dos novos veículos da Carris, que têm um espaço mais apertado para as cadeiras de rodas, o que impede muitas pessoas com mobilidade reduzida de os usar. Quanto às estações de metro, umas são inacessíveis (como a da Cidade Universitária), outras são consideradas acessíveis porque têm um elevador, mas muitos vezes “ele não funciona”.

Presos em casa por falta de acessibilidade
Presos em casa por falta de acessibilidade

CP diz que o serviço está melhor e tem cada vez mais procura

A CP tem o serviço SIM em funcionamento desde 2005 e, daí para cá, as condições de prestação de serviço melhoraram, refere a empresa numa resposta pedida pela Renascença. “Alargou-se o número de comboios e estações abrangidas e o tempo de antecedência do pedido tem vindo a ser reduzido, sendo de 12 horas desde outubro”, sublinham.

O prazo é necessário “devido à diversidade das condições em que a CP tem que operar, quer em termos de material circulante, quer das estações que também têm especificidades próprias relativamente à acessibilidade da plataforma para o comboio”.

Nos primeiros nove meses deste ano, a CP registou 95 mil viagens realizadas por estes clientes com necessidades especiais, mais 31% do que as 73 mil registadas no mesmo período do ano passado.

Tutelas têm que intervir, defende Accessible Portugal

Ana Maria Garcia, presidente da Plataforma Accessible Portugal, focada no turismo acessível, considera que CP e IP – Infraestruturas de Portugal são duas entidades distintas e com objetivos distintos, mas que precisam de articular o serviço.

“Ao cliente não interessa a quem pertencem as estações ou os comboios, precisa é que tudo funcione. A uma pessoa em cadeira de rodas não chega ter comboios acessíveis, precisa que a estação também o seja”, frisa.

Por isso, considera “inevitável” que as duas empresas do ramo ferroviário se reorganizem: “Se não houver intervenção dessas entidades não vamos conseguir articular os investimentos e planos de atividades, que deveriam estar concertados”.

Para a Accessible Portugal, esta é uma luta antiga, que já implicou reuniões com a CP, secretaria de Estado do Turismo e Turismo de Portugal. “O nosso foco é o turismo acessível, porque as pessoas que chegam a Portugal pelos aeroportos querem deslocar-se dentro do país e temos que garantir que essa acessibilidade existe. Mas, como é evidente, a acessibilidade deve existir, em primeiro lugar, para os residentes. Os comboios são uma mais-valia, mas a desarticulação é altamente prejudicial”, conclui.

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