21 jan, 2020 - 16:48 • Redação com Lusa
A PSP já abriu um processo de averiguações sobre a atuação policial contra uma mulher que foi detida, no domingo, na Amadora. A ocorrência envolveu “agressões” e resultou numa denúncia contra o polícia de serviço.
A mulher foi esta terça-feira constituída arguida e sujeita à medida de coação de termo de identidade e residência, disse à agência Lusa fonte da direção nacional da PSP. Ficou indiciada do crime de resistência e coação sobre agente da autoridade, enquanto o polícia envolvido "não foi constituído arguido".
No âmbito do caso, a organização SOS Racismo avança que recebeu esta terça-feira “uma denúncia de violência policial contra a cidadã portuguesa negra”, indicando que a mulher ficou “em estado grave”, resultado das agressões que sofreu na paragem de autocarros e dentro da viatura da PSP em direção à esquadra de Casal de São Brás, na Amadora.
Sobre as circunstâncias da ocorrência, a Direção Nacional da PSP informou que o polícia acusado de agredir a mulher detida, Cláudia Simões, angolana de 42 anos, “foi abordado pelo motorista de autocarro de transporte público que solicitou auxílio em face da recusa de uma cidadã em proceder ao pagamento da utilização do transporte da sua filha, e também pelo facto de o ter ameaçado e injuriado”. “Este polícia, depois de se inteirar da versão dos acontecimentos prestada pelo motorista, dirigiu-se à cidadã por este indicada”, esclareceu a PSP, referindo que a intervenção policial ocorreu pelas 20h30 de domingo.
Ao contrário da denúncia contra o polícia, a PSP afirmou que a mulher reagiu de forma “agressiva” perante a iniciativa do polícia em tentar dialogar, “tendo por diversas vezes empurrado o polícia com violência, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção”.
A partir do momento da detenção da mulher, alguns outros cidadãos que se encontravam no interior do transporte público tentaram impedir a ação policial, nomeadamente “pontapeando e empurrando o polícia”, disse a Direção Nacional da PSP, em comunicado, acrescentando que o polícia se encontrava sozinho.
Para fazer cessar as agressões, o polícia “procedeu à algemagem da mesma, utilizando a força estritamente necessária para o efeito face à sua resistência”. “Salienta-se que a mesma, para se tentar libertar, mordeu repetidamente o polícia, ficando este com a mão e o braço direitos com marcas das mordidelas que sofreu e das quais recebeu tratamento hospitalar”, avançou a PSP.
A situação só ficou resolvida com a chegada de reforço policial, para conter as pessoas no local e promover a condução da mulher detida à esquadra para formalização da detenção e notificação para comparência em tribunal.
De acordo com a PSP, a mulher detida pediu para ser conduzida ao Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, o que aconteceu pelas 22h00 de domingo, assim como o polícia que foi igualmente assistido na mesma unidade hospitalar, encontrando-se de baixa médica e, “até ao momento, não foi decretada a suspensão preventiva de funções”, disse fonte policial.
Como consequência direta da formalização de uma denúncia contra o polícia que procedeu à detenção, apresentada pela mulher na segunda-feira, “a PSP já iniciou a instrução de um processo de averiguações para, a par do processo criminal, proceder à averiguação formal das circunstâncias da ocorrência e de todos os factos alegados pela cidadã”.
Segundo a organização SOS Racismo, a mulher detida “confirmou toda a cronologia da bárbara agressão de que foi vítima em frente à sua filha menor de oito anos”, relatando ainda que, enquanto a agredia, “o agente não parou de proferir insultos racistas”. “A versão da vítima desmente em tudo o conteúdo da versão do comunicado emitido pela PSP sobre este caso de abuso de força e de violência policial”, reforçou a SOS Racismo, alertando que 76% das queixas contra agentes de polícia por agressão a cidadãos no concelho de Amadora são arquivadas.
Para esta organização, “é inconcebível que a vítima seja constituída arguida e presente ‘sine die’ a tribunal enquanto nada acontece ao seu agressor”.
Neste sentido, a SOS Racismo defendeu que o polícia envolvido nas agressões deve ser “imediatamente suspenso” de funções, pretendendo “que se faça justiça e que se acabe com a impunidade da violência policial racista”.
A deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, questionou hoje o Ministério da Administração Interna sobre a atuação policial contra uma mulher que “terá sido barbaramente agredida por agentes da PSP” e que foi detida no domingo na Amadora.
“Atendendo à gravidade da situação relatada, bem como a um longo e infeliz historial de situações de violência policial que têm vindo a ser conhecidas, perante a passividade da Direção Nacional da PSP, como aliás comprova o facto de 76% das queixas contra agentes policiais na Amadora serem arquivados mesmo nos casos em que esses mesmos agentes contam com condenações criminais (algum deles continuando em funções), é urgente a tomada de medidas para prevenir estas situações no corpo policial e garantir a segurança das populações”, pode ler-se na pergunta de Joacine Katar Moreira, que deu entrada hoje no parlamento.
A deputada única do Livre quer saber “que medidas internas disciplinares estão a ser tomadas no sentido de, com a maior urgência, apurar os factos concretos relativos” a esta situação.
A deputada descreve que “de acordo com notícias veiculadas nas redes sociais e órgãos de comunicação social, no passado domingo, dia 19 de janeiro, Cláudia Simões, cidadã residente na Amadora, terá sido barbaramente agredida por agentes da PSP dessa cidade em virtude de ter circulado no autocarro n.º 163 da empresa Vimeca com a sua filha menor de idade (oito anos), Vitória, na sequência de esta última não ter consigo um título de transporte válido”. “Considerando que a Amadora tem sido, pelas piores razões, fonte de sucessivas notícias que apontam para a existência de comportamentos de violência policial, nomeadamente motivada por questões raciais, que medidas está o MAI a tomar para diagnosticar a situação e apurar as suas causas”, questionou ainda.
Joacine Katar Moreira pretende ainda que o Governo esclareça que medidas urgentes irá tomar “para prevenir e combater o racismo e a violência no seio das forças policiais atendendo aos relatórios e recomendações europeus sobre o tema”, pretendendo ainda saber que formações tem o MAI previstas para as forças policiais em matéria de direitos humanos.
Também o Bloco de Esquerda questionou hoje o Governo sobre a atuação policial sobre uma mulher na Amadora, considerando que as “lesões apresentadas pela cidadã agredida indiciam uma atuação desproporcional e injustificada por parte dos agentes policiais”.
Numa pergunta que foi hoje entregue no parlamento e dirigida ao Ministério da Administração Interna, a deputada do BE Beatriz Gomes Dias refere que, no domingo, “uma cidadã foi vítima de agressão por parte de agentes da PSP da esquadra do Casal de São Brás, na Amadora, no interior de uma viatura policial”, o que “resultou em lesões graves, ficando a cidadã com o rosto desfigurado”. “De acordo com o seu testemunho, terá sido espancada e objeto de insultos racistas quando, já algemada, seguia na viatura policial”, refere a mesma pergunta.
Na perspetiva do BE, “a intervenção policial deve, de acordo com a lei, limitar-se ao estritamente necessário para controlar a ocorrência” e “as lesões apresentadas pela cidadã agredida indiciam uma atuação desproporcional e injustificada por parte dos agentes policiais”. O BE questiona assim o Governo sobre que “medidas concretas têm sido tomadas para formar adequadamente as forças policiais, nomeadamente no que diz respeito ao uso da força” e se já deu conhecimento ao “IGAI [Inspeção-Geral da Administração Interna] destes factos para apuramento de responsabilidades”.
Segundo a mesma pergunta, os acontecimentos terão tido origem “na recusa do condutor do autocarro em que a filha desta cidadã, de oito anos, pudesse seguir viagem sem apresentar o seu passe gratuito”. “Terá sido o condutor a suscitar a intervenção policial. A cidadã foi detida junto ao autocarro da companhia Vimeca onde seguia”, referem os bloquistas.
O BE vê assim “com preocupação os casos de violência policial, um problema diagnosticado por diversas entidades e referido em relatórios recentes da Amnistia Internacional ou da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância”.
[notícia atualizada às 21h05]