24 out, 2019 - 23:30 • Beatriz Lopes
Como se combate o consumo e tráfico de drogas dentro das prisões europeias? Ser um “workaholic” pode levar-nos a recorrer a substâncias psicoativas? E seremos todos um “avatar” no futuro? Foram estas algumas das questões que tornaram esta quinta-feira, segundo dia da conferência Lisbon Addictions 2019, num “ping-pong” entre plateia e especialistas.
A informação que hoje existe sobre a realidade que se vive nas prisões da Europa gerou consenso entre os especialistas que participam por estes dias na conferência “Lisbon Addictions”: pouco ou nada se sabe.
Por ora, não existem sequer relatórios científicos que revelem relação custo-benefício das medidas que são implementadas nas prisões, quer se fale no consumo, quer se fale na propagação de algumas doenças infetocontagiosas.
Mas há números justificam a urgência de falarmos sobre o assunto. É pelo menos o que defende a socióloga e investigadora Anna Tarjan, do Hungarian Reitox National Focal Point. E explica: “No ano passado, as prisões da União Europeia, da Noruega e da Turquia contavam com 700 mil reclusos, sendo que 130 mil estavam a cumprir pena por casos relacionados com o uso de drogas”.
Para Anna Tarjan, tornou-se um “desafio enorme” recolher os dados referentes às prisões. “Nunca sabemos a quem pedir, porque as políticas e legislação mudam de país para país. Há países onde são os ministérios da Justiça que tutelam este tipo de dados, noutros países é o ministério da Saúde”, explica.
Portugal, contudo, até tem feito um bom trabalho: todos os reclusos são obrigados a fazer rastreios ao vírus da sida e hepatites virais à entrada da prisão – algo que não acontece, por exemplo, na Turquia, que serve como “mau exemplo” em todas as projeções.
Mas o nosso país não tem tido grande sucesso, por exemplo, com o programa da troca de seringas nas prisões, que tem revelado pouca adesão.
No entanto, a preocupação tem que ser outra, diz a investigadora húngara Anna Tarjan: “Como é que se justifica que uma pessoa entre na prisão com problemas de droga e, passados alguns anos, saia de lá com os mesmos problemas?”
Outro especialista, Henri-Jean Aubin, professor da Paris-Sud University, alerta mesmo que “alguns morrem de overdose 48 horas depois [de saírem]”.
Anna Tarjan e Henri-Jean Aubin dizem que tudo isto é sinal que algo está a falhar. E, nesse sentido, os especialistas alertam que são precisos “mais estudos” e “mais cooperação entre quem coordena os estabelecimentos prisionais e o Governo”. Só assim, dizem, é que será possível tirar conclusões e “desenvolver novas estratégias”.
Ritalina para estudar
Cada vez mais estamos familiarizados com o termo “workaholic” – alguém que, no fundo, é viciado no trabalho. Uma das conclusões apresentadas no segundo dia da conferência Lisbon Addictions é que está comprovado que quem trabalha mais horas seguidas tem maior tendência a recorrer a estimulantes. Os especialistas chamam-lhes potenciadores cognitivos.
Falamos, no fundo, de cafeína, drogas ilícitas (como a cocaína) ou medicamentos prescritos por médicos – que vão ajudar estas pessoas a ter um melhor desempenho no trabalho.
Até aqui, nada de novo. Resta saber, então, qual é a preocupação neste momento. Um bom exemplo é o dos estudantes que estão a usar ritalina para se manterem concentrados e memorizarem conteúdos quando, na verdade, o medicamento é aconselhado para pessoas que sofrem de hiperatividade.
Karen Dale, professora na Universidade de Lancaster, no Reino Unido, diz que um dos medos dos especialistas é que os jovens continuem a ter este tipo de comportamento num meio profissional.
Isto numa altura, alerta, em que há muita precariedade laboral em toda a Europa, em que há cada vez mais pessoas que trabalham por turnos ou que fazem viagens de longa distância – como é o caso dos camionistas.
Os portugueses são dependentes dos telemóveis?
Mas nem só de drogas se falou na Lisbon Addictions. A verdade é que, às vezes, o perigo da dependência surge de onde menos se espera. E muitas vezes nem nos apercebemos das horas que passamos, por exemplo, agarrados ao telemóvel.
E há conclusões quanto a este comportamento de risco. Os portugueses, por exemplo, têm razões para se preocuparem: nove em cada 10 utilizadores portugueses vão à internet 74 vezes por dia. E ir demasiadas vezes à internet é, alertam os especialistas, um dos comportamentos que podem fazer soar os alarmes de uma dependência.
Ora, para além do tempo que passamos no computador ou no telemóvel, os especialistas estão preocupados, por exemplo, com o impacto que isto pode ter nas relações familiares ou mesmo nos locais de trabalho. E questionam mesmo se o uso abusivo da internet não pode alterar a personalidade de uma pessoa.
Falando em mudar de personalidade, um dos exemplos dados pelo especialista Zsolt Demetrovics, professor de psicologia na Eötvös Loránd University, em Budapeste, foi mesmo o filme “Avatar”, questionando se qualquer dia não teremos dificuldades em distinguir o nosso perfil online da nossa “não tão bonita nem emocionante” vida real.
A intervenção de Demetrovics focou-se também na doença da era digital, a Cibercondria – ou a síndrome do “Dr. Google”, como alguns lhe chamam.
Um dos desafios da atualidade, diz, passa por lutarmos contra casos de pacientes que, mesmo antes de procurarem ajuda médica, mergulham compulsivamente nas informações que a internet oferece, tendo o próprio paciente teorias sobre possíveis diagnósticos e tratamentos.
E onde está o problema? No “risco da automedicação” e no facto do paciente decidir não procurar um médico “por ter medo de ter uma certa doença”, explica Zsolt Demetrovics.
Embora não se saiba qual é a prevalência deste problema em Portugal, estima-se que em todo o mundo a cibercondria afete 6% da população.