11 fev, 2020 - 17:59 • Pedro Mesquita
Como encara a decisão dos grupos parlamentares de legislarem sobre a eutanásia?
Num assunto desta magnitude não me parece bem que 230 pessoas, por mais méritos que tenham, legislem por mim e por todos os outros sem uma consulta popular. Esta é uma matéria em que, na realidade, existem muitas diferenças de opinião e, portanto, eu acho que aqueles que não concordam devem ser ouvidos também. Não creio que o Parlamento possa chamar a si a responsabilidade de legislar sobre esta matéria, desta forma. Estamos a falar da vida. A vida é um dom gratuito de Deus e, na minha perspetiva, não temos o direito de sermos nós a decidir sobre ela.
Eu penso que estamos a correr o risco de caminhar para um 'eu' muito totalitário, em que os outros valem pouco. Se cada um de nós, agora, pensar que pode decidir tudo sobre tudo e sobre todos, sem nunca pensar nos outros, acho que é um caminho muito perigoso que a sociedade está a seguir. Acho que, a partir daqui, qualquer coisa pode acontecer em função de ‘eu próprio’. Portanto, os outros deixam de contar.
Porque é que defende o referendo?
O que eu defendo é que não se devia alterar a lei, sinceramente. Agora, respeitando os outros, nada como abrir um debate para que as pessoas possam, cada uma, argumentar à sua maneira. Isso é o elementar porque, para mim, o essencial é que a vida é um dom, é um dom gratuito de Deus e nós não temos o direito de decidir sobre ela. Mas isso é o que eu penso...
Já que os deputados se propõem a decidir sobre ela, então que toda a população seja chamada a decidir em referendo, é isso?
Claro, é isso mesmo. Se [o Parlamento] se propõe a decidir, então que sejamos todos a decidir. Eu não passei nenhum mandato, e penso que nenhum português. Nem tenho ideia de ter visto em algum dos programas dos partidos este anuncio e, portanto, não acho muito correto decidirem, de repente, sobre uma matéria sobre a qual não tinham anunciado o que iam fazer. Acho que assim devemos ser todos consultados e então, pronto, faça-se o referendo.
Preocupa-o a possibilidade de uma pessoa aderir a uma eutanásia apenas por não ter apoio suficiente para continuar a viver?
Sim, claro. Se me disserem: "Bem, mas as pessoas sofrem..." Claro que esse é um dos argumentos normais e válidos. Compreendo muito bem. Já passei por essa situação e estou a passar, se calhar, na minha família. Percebo muito bem isso. Eu sei o que é o sofrimento das pessoas e compreendo este argumento muito válido. Mas isso não quer dizer que nós não devamos fazer tudo, individualmente e em sociedade, para que esse sofrimento possa ser atenuado. E há muitas formas de o atenuar, não é só através dos cuidados paliativos ou dos cuidadores...
Enquanto católico acredito num Deus de misericórdia, que quer que as pessoas sejam felizes. Obviamente que o sofrimento não traz felicidade, mas faz parte do nosso caminho.
E acha que, no fundo, o Estado se pode estar a demitir das suas funções e a preparar-se para tomar uma decisão facilitista?
Se quisermos radicalizar, obviamente que teríamos de apontar por aí. É legitimo dizer que o Estado se está a demitir das suas funções, na realidade de valer aos seus cidadãos em todos os momentos da sua vida. Acho que ao Estado - e às famílias - compete o apoio e a solidariedade para com aqueles que, em alguns momentos da sua vida, psicologicamente e fisicamente, possam na dor equacionar essa situação.
Compete-nos a nós dar a felicidade para que não tomem nunca uma decisão desse tipo.