17 fev, 2020 - 06:12 • Gentil Martins*
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Há princípios civilizacionais essenciais e imutáveis, como é o direito à vida, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a nossa Constituição afirmam claramente como inviolável!
A manipulação das palavras é uma manobra ardilosa de obter a resposta desejada. Adulterando a linguagem pode manipular-se o conteúdo. Se se perguntar a alguém se quer “sofrer”, a resposta será “não”. Mas se se perguntar, às mesmas pessoas, se concordam com “assassinar”, elas naturalmente dirão também que “não”.
E nem sempre o que é “legal” é “eticamente correto”. A eutanásia é, seguramente, negar o essencial da profissão e violar grosseiramente o juramento feito após terminar o curso médico.
Ao procurar avaliar um problema tão importante como a eutanásia e o suicídio assistido, importa em primeiro lugar que todos conheçam e compreendam o “verdadeiro” significado das palavras e, por outro lado, compreendam os argumentos e razões dos que concordam ou discordam. Isto, evidentemente, sem permitir que a adulteração do significado das palavras leve a manipular o conteúdo e a acreditar no simplesmente inaceitável.
Alguns procuram camuflar com palavras atraentes (como “direitos, liberdade, respeito ou compaixão”) as ideias mais bárbaras, assim procurando dar-lhes uma maior respeitabilidade e probabilidades de aceitação. Se a pergunta feita for apelando ao “repúdio do sofrimento” é evidente que todos dirão que o não desejam. A primeira coisa a fazer é, pois, definir muito claramente os conceitos.
Dizem os defensores da eutanásia que ela torna a morte digna. Então entendem que a morte natural e a sua aceitação, não o é? Como aceitar tal demagogia e tal deturpação da linguagem e do seu verdadeiro significado, no intuito de facilitar a aceitação da sua opinião, que no fundo esquece os valores fundamentais do Ser Humano, desde que nasce até que morre?
Eutanásia é a morte intencionalmente provocada por um profissional de saúde. Não é mais do que tirar a vida, seja qual for a razão e a idade. Não é eutanásia a aplicação de medicação administrada com a intenção de diminuir o sofrimento do doente terminal incurável, mesmo que contribua indiretamente para abreviar a vida, no denominado mecanismo de “duplo efeito”. Aqui o que verdadeiramente conta é a intenção do gesto terapêutico, de que o médico será muitas vezes o verdadeiro e único juiz.
A total rejeição eutanásia foi aliás de novo recentemente reafirmada e sem sombra dúvidas pela Associação Médica Mundial. O que pensaria um doente sabendo o seu médico não comprometido a cumprir o Juramento feito após concluir o curso de Medicina, e que o obriga a procurar evitar a doença, a tratar o doente da melhor maneira possível e, finalmente, a nunca deixar de o apoiar quando os cuidados que curam já não podem ser eficazes e a morte não deixará de surgir como a lei da vida determina.
O suicídio “farmacologicamente” assistido, por profissional de saúde ou por qualquer outra pessoa, sob qualquer argumento, mesmo por compaixão e o desejo de aliviar o sofrimento, se acaba com o sofrimento é também porque acaba com a Pessoa que sofre, sendo igualmente tirar a vida.
Distanásia ou obstinação terapêutica, em que se prolonga a vida sem qualquer esperança de recuperação e com o inerente sofrimento do doente e dos familiares, é igualmente um erro grave e claramente condenável.
Opinião de José Manuel Silva*
O debate sobre a eutanásia traduz um sensível conf(...)
Em defesa e proteção das pessoas, todos os códigos de ética médica afirmam claramente que, nas suas múltiplas dimensões, a vida humana é inviolável. O médico que praticasse a eutanásia negaria o essencial da sua profissão, não sendo digno de a exercer.
O importante é sofrer o menos possível e, hoje, a dor física pode ser totalmente controlada: daí a importância dos cuidados paliativos que é essencial desenvolver através da colaboração multidisciplinar dos profissionais de saúde, da família e dos amigos nomeadamente ao nível das dimensões emocionais, espirituais sociais e até culturais. Mas nunca será uma boa solução ou uma resposta legítima, procurar resolver a sua insuficiência actual com um erro ainda maior: o de provocar a morte.
Sabe-se que para o final da vida que a sociedade mais paga para tentar assegurar a saúde. Será que os defensores da eutanásia dão prioridade aos problemas económicos sobre os princípios morais, já que certamente a eutanásia dá menos trabalho e a saí mais barata que tratar os doentes. O problema da eutanásia é independente de religiões e envolve uma escolha quanto ao tipo de Sociedade em que desejamos viver.
A relação personalizada médico-doente é uma das melhores barreias da defesa do Homem e da sua dignidade contra o peso cada vez maior daqueles para quem a sociedade é toda poderosa e pretende substituir a relação médico-doente por uma relação beneficiário-Estado.
Que existem problemas extremamente complexos e muitas vezes dramáticos é facto incontroverso. Dilemas põem-se com frequência à consciência do médico: mas negar os princípios será seguramente ainda mais dramático e socialmente mais grave. A eutanásia, mesmo a pedido do doente, não será nunca menos do que um homicídio a pedido, mas sempre ato ilícito do ponto de vista da moral médica.
Argumentam fundamentalmente os defensores da eutanásia o direito à plena autonomia individual e à liberdade. Já terão acaso reparado que a liberdade e a autonomia têm limites? Porque é que não se pode conduzir em contramão, ou alcoolizado ou a falar ao telemóvel e também porque se usa capacete ao andar de moto ou usa cinto de segurança nos automóveis. Como aceitam então estas limitações da autonomia e da liberdade individual? Onde está a autonomia se se pretende envolver terceiros para morrer? Não pertencemos apenas a nós próprios e vivemos integrados na comunidade que nos cerca.
Parecem alguns pretender esquecer também que muitos pedidos de eutanásia acabam mais tarde por ser rejeitados por pessoas arrependidas desse pedido.
Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os médicos a violar o seu Código Deontológico. A eutanásia não é nem nunca poderá ser um “ato médico” e eu diria que a ética médica até pode, por vezes, estar “acima da Lei”.
*António Gentil Martins, é médico e ex-Presidente da Ordem dos Médicos e da Associação Médica Mundial