04 mar, 2020 - 17:20 • Celso Paiva Sol
O início do debate instrutório do processo Operação Marquês foi adiado para quinta-feira, devido à nova audição do antigo primeiro-ministro e arguido, José Sócrates, no Campus da Justiça, em Lisboa, esta quarta-feira.
O debate instrutório do processo Operação Marquês estava agendado para as 14h00 de hoje, mas o dia foi marcado pela chamada de José Sócrates a depor novamente perante o juiz Ivo Rosa, no âmbito da instrução do caso.
Durante essa audição, assistiu-se a um diálogo, nem sempre fácil, entre Ivo Rosa e Sócrates, que incidiu sobre quatro assuntos em concreto sobre os quais o juiz diz ter ficado com dúvidas na anterior fase do processo: as férias num hotel de luxo no Algarve, pagas pelo primo do antigo governante, João Paulo Pinto de Sousa; o processo de adjudicação do TGV em 2009; algumas visitas de Estado que o então primeiro-ministro fez e a relação de privilégio que podem ter tido com o grupo Lena (em especial à Venezuela, Angola e Argélia; e ainda sobre o caso Freeport.
Ivo Rosa disse ter dúvidas sobre datas, faturas, sobre a amizade ou proximidade a algumas pessoas, portuguesas e estrangeiras, sobre quem é que esteve envolvido em determinados negócios e onde é que algumas adjudicações foram decididas.
Antes, no arranque da sessão, Sócrates mostrou-se satisfeito ao perceber que os jornalistas iam poder assistir à sua audição, podendo ouvir a sua "verdade sem filtros do Ministério Público". Depois, e ao longo de todo o interrogatório, atacou a acusação da procuradoria, dizendo que assenta em invenções impossíveis de provar, porque "simplesmente nunca aconteceram".
Acompanhado de diversas agendas dos anos em que foi chefe de Governo, Sócrates recorreu a elas para desmentir as teses do MP. O exemplo em que insistiu mais foi o das férias no Algarve, quatro ao todo durante o ano de 2006. Disse que em três dessas situações pode provar que não estava no Algarve, o que, a seu ver, põe em causa a credibilidade da equipa do procurador Rosário Teixeira.
Os argumentos? Numa das vezes em que estaria no Algarve diz que estava em visita oficial ao Brasil; numa outra estava num Governo presente em Bragança e na terceira estava na Covilhã a inaugurar um novo serviço da Universidade da Beira Interior.
Ao longo do interrogatório, o antigo primeiro-ministro exaltou-se pelo menos três vezes, quando se falou das viagens, do TGV e do Freeport. Num tom mais alterado, acusou o Ministério Público de mentir, de inventar e até de mesquinhez, quando no final o procurador lhe perguntou se a sua amiga Sandra Santos também tinha estado de férias no Algarve.
Depois de Sócrates ter falado durante mais de duas horas, o procurador Rosário Teixeira explicou ao juiz que precisa de entre duas a três horas para apresentar o caso, pedindo que o arranque do debate instrutório fosse adiado para amanhã. O juiz acedeu, ficando o debate marcado para quinta-feira às 14h.
À saída do tribunal depois da sua última audição antes da nova fase, Sócrates voltou a arrasar o MP, dizendo estar a ser vítima de acusações "falsas".
"Não vê que é ridículo estarmos aqui duas horas e tal e depois o Ministério Público faz aquelas perguntas ridículas", declarou aos jornalistas. "Isto dá ideia da dimensão do que foi feito. O MP construiu um embuste, uma grande mentira e, depois de tudo ali desfeito, veio-me perguntar se eu sabia que uma amiga minha, Sandra, estava no Algarve. Por amor de Deus."
A Operação Marquês conta com 28 arguidos – 19 pessoas e 9 empresas –, entre os quais o antigo primeiro-ministro José Sócrates, o banqueiro Ricardo Salgado, o empresário e amigo de Sócrates Carlos Santos Silva e altos quadros da Portugal Telecom. O caso envolve suspeitas dos crimes de corrupção, ativa e passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal.