10 jan, 2020 - 21:58 • Ana Carrilho
A portaria nº2/2020 que regulamenta os termos do reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal foi publicada esta sexta-feira em Diário da República. Embora já não alimentassem grandes expetativas, os cuidadores sentem-se desiludidos: apenas uma pequena parte dos mais de 800 mil, mais de um quarto a tempo inteiro, terão condições para preencher os requisitos e receber algum apoio, económico ou outro. A presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais – Panóplia de Heróis, Silvia Artilheiro Alves, manifesta muitas dúvidas, tristeza e desilusão.
A partir de 1 de Julho, os cuidadores informais podem pedir o reconhecimento do estatuto. Mas os requisitos que têm que preencher, assim como a pessoa cuidada, não são poucos.
O cuidador tem que ter residência em território nacional, mais de 18 anos e apresentar condições físicas e psicológicas para prestar assistência à pessoa cuidada que terá que ser familiar (cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4º grau da linha reta ou colateral da pessoa cuidada). Além disso, e cumulativamente, tem que viver em comunhão de habitação com a pessoa cuidada, prestar cuidados de forma permanente, não exercer atividade profissional remunerada, não receber prestação de desemprego ou qualquer remuneração pelos cuidados que presta à pessoa cuidada.
Para Silvia Artilheiro Alves, presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais – Panóplia de Heróis, isto vai abranger uma franja mínima dos mais de 800 mil cuidadores. “O que a portaria diz é que apenas quem está em situação de pobreza extrema terá direito ao reconhecimento e a alguma ajuda”.
Por seu turno, a pessoa cuidada tem que estar numa situação de dependência de terceiros, precisar de cuidados permanentes e não estar em regime residencial, em qualquer instituição social, pública ou particular. Além disso, tem que receber uma prestação social: subsídio por assistência a 3ª pessoa, complemento de dependência de 2º grau ou de 1º grau, se transitoriamente se encontrar acamado ou a precisar de cuidados permanentes.
Para ter um cuidador tem que dar o seu consentimento de forma inequívoca em declaração assinada, acompanhado de declaração médica de que se encontra no uso pleno das suas faculdades intelectuais.
Mas quando não o puder fazer, o consentimento será prestado pelo acompanhante, ao abrigo da lei que define o Regime do Maior Acompanhado. (lei nº 49/2018).
Segundo Silvia Artilheiro Alves, a conclusão dos processos está a demorar vários meses, sendo que há muitas famílias que ainda não trataram deste requerimento. Se o fizerem a partir de agora, ainda vão entupir mais os tribunais e dificilmente poderão iniciar o processo de reconhecimento do Estatuto do Cuidador a partir de 1 de Julho.
A presidente da ANCI – Panóplia de Heróis questiona ainda como e por quem vai ser feita a avaliação física e psicológica do cuidador. “Quantos milhares não têm médico de família? Vai ser um médico que não o conhece a passar o atestado? Vão fazer exames físicos e psicológicos exaustivos? E quantos de nós estamos em situação de exaustão psicológica e emocional pelos anos em que já somos cuidadores? Vai ser tido em conta?”
Os cuidadores que já contactaram com a Associação nas poucas horas que a portaria tem de publicação estão preocupados com estas questões e com a forma como serão avaliados, revela a presidente da ANCI.
Por outro lado, todo o processo revela adiamentos sobre adiamentos. Depois de pedido de reconhecimento, que poderá ser feito a partir de 1 de julho mas que a maior parte não conseguirá aproveitar, a Segurança Social tem 60 dias para proferir a decisão.
“Sinto-me triste e desiludida. Tenho consciência que o Estado não vai responder às expetativas e necessidades urgentes dos cuidadores informais tão cedo. Vemos muitas exigências para os cuidadores informais e não vemos medidas concretas de apoio”, desabafa Silvia Artilheiro Alves.
“Este foi, sem dúvida, um excelente tema de campanha eleitoral. Não por acaso, a lei 100/2019 foi aprovada precisamente um mês antes das eleições. Mas precisamos que o governo e a sociedade civil consertem mesmo esforços para ajudar a cuidar de quem cuida porque, afinal, estamos a poupar muito dinheiro ao Estado”.
A Ministra do Trabalho e Solidariedade Social, Ana Mendes Godinho, revelou no Parlamento que até o fim do mês deverá estar concluída uma 2ª portaria conjunta das áreas do Trabalho, Finanças e saúde para a regulamentação dos projetos-piloto. Estes vão decorrer ao longo de 12 meses em 30 concelhos para ter uma amostra das diferentes realidades do país.
Só depois de apurados os resultados é que será aprovada a 3ª portaria. O seja, no fim de 2021 ou mesmo em 2022.