17 mar, 2020 - 07:43 • Beatriz Lopes
Vê os dias passar, demasiado lentos, estranhamente longos, e as respostas que lhe chegam são poucas ou nenhumas. A viver na República Dominicana há sete anos, Ana Lopes terminou recentemente o curso de medicina e tencionava agora voltar a Portugal. O motivo? As 28 semanas de gravidez.
À Renascença, esta portuguesa, de 26 anos, explica que perante a pandemia da Covid-19 é “impensável” ficar num país com um sistema de saúde tão debilitado quanto o dominicano.
“Estou preocupada porque estou grávida. Estou sem seguro de saúde porque, supostamente, ia viajar na terça-feira, 17 de março, e o país, a República Dominicana, lamentavelmente não tem meios suficientes para aguentar um aumento de casos de coronavírus como há aí na Europa”, lamenta.
Depois de a República Dominicana ter decidido suspender, por um mês, todos os voos de e para a Europa, Ana tem procurado ajuda, quer junto do Consulado português em Santo Domingo, a capital do país, quer do Ministério dos Negócios Estrangeiros português. Sem sucesso.
“Até agora, do Governo português ainda não recebi qualquer resposta. A linha que criaram – a Linha de Emergência Covid-19, apresentada recentemente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros -, e à qual me pediram para enviar um e-mail, não respondeu. Do consulado, aqui, também não me sabem dar grandes informações ou apoio. Para o caos que estão a ser estes dias, e sabendo que há tantos portugueses pelo mundo, acho que deviam arranjar uma maneira de trabalhar melhor”, aponta.
Na impossibilidade de contar com governantes, Ana Lopes tem mantido contacto com diversas companhias aéreas. Para já, a hipótese que se coloca é de que venha a viajar “só daqui a um mês”, altura em que as restrições de voos com destino à Europa terminam.
No entanto, diz-se “preocupada” por estar grávida e pela possibilidade do voo (com escala em Madrid) vir a ser cancelado, tendo em conta que Espanha tem vindo a registar um aumento de número de casos de Covid-19, que podem levar a mais restrições.
Na China, onde o surto começou, registam-se os núm(...)
Não muito longe da República Dominicana, na Cidade do México, estão retidos outros cinco portugueses que viajaram a turismo no dia 5 de março. Um deles é André Couto. Apesar de reconhecer que “o coronavírus não está com uma propagação tão forte como em Portugal”, diz ter medo que o cenário vire “o caos completo”.
À Renascença, este português diz ainda não encontrar alternativas depois de o México ter decidido suspender as ligações aéreas com a Europa e a Colômbia.
“Numa fase inicial, eu tinha viagem para os Estados Unidos. Só que a nova lei que o Governo americano aplicou diz que os cidadãos que habitam no espaço Schengen têm de ter pelo menos 14 dias fora do espaço. Nós, neste caso, só temos 12 dias fora do espaço e isso está fora de questão. Essa viagem foi já cancelada”, explica André Couto.
E acrescenta: “Estamos realmente preocupados, porque temos as nossas famílias em casa. E estamos sujeitos a ser até infetados, porque estamos a falar de uma cidade enorme, com 22 milhões de habitantes, onde estamos constantemente em aeroportos e sempre com uma resposta negativa”.
André Couto assegura ainda que já tentou entrar em contacto com as autoridades portuguesas, nomeadamente com a Embaixada portuguesa na Cidade do México, mas não conseguiu, até ao momento, solucionar a questão.
“Esperamos esta terça-feira falar novamente com a Embaixada. Já tentámos contactar inúmeras vezes, mas o número está constantemente ocupado ou ninguém atende. Portanto, estamos sem solução”, conclui.
Um desfecho diferente teve a história de Lídia Nogueira, uma estudante da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, que conseguiu regressar esta segunda-feira a Portugal depois de ter estado a fazer Erasmus em Nitra, a quarta maior cidade da Eslováquia.
Lídia conta que, a par de três colegas que também regressaram, chegou mesmo a ser aconselhada a abandonar o país, depois de todas as aulas terem sido suspensas. “Acabámos por receber uma instrução de que deveríamos abandonar o dormitório e, se possível, o país até dia 16 de março. Muito preocupados, começámos a procurar voos e comprámos bilhete de avião precisamente para esse dia, 16 de março. Nessa mesma semana, soubemos que a Eslováquia tinha fechado fronteiras e que tinha decretado estado de emergência”, conta.
A partir daqui, começou “uma verdadeira aventura”.
Os estudantes portugueses tencionavam apanhar um voo a partir de Viena, capital austríaca, mas os transportes públicos não estavam autorizados a circular para fora da Eslováquia e as autoridades portuguesas, refere, não terão arranjado uma solução “viável”.
O país está em estado de alerta. As escolas estão (...)
“Começámos por ligar para o consulado português, que para além de nos atender em inglês – o que honestamente nos deixou estupefactas –, não se mostrou disponível a ajudar-nos e a única coisa que nos disseram de lá foi que a única forma de sair seria de táxi, mas preferencialmente de carro”, recorda.
“Na tentativa de obtermos mais informações, ligámos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que disse para reportarmos a nossa situação por e-mail para o Gabinete de Emergência Consular. Mas ambas as entidades revelaram não ter qualquer conhecimento quanto ao encerramento de fronteiras por parte da Eslováquia e à declaração de estado de emergência. Também não se mostraram disponíveis a ajudar-nos, não nos deram mais instruções”, critica.
Como regressaram? “Por sorte”, diz. A sorte de terem conseguido apanhar um táxi a partir de Bratislava, capital da Eslováquia, rumo a Viena.
“Conseguimos chegar ao aeroporto. Estávamos muito ansiosas porque no dia anterior tinham-nos dito que o controlo estava a ser apertado e algumas pessoas estavam a ser mandadas para trás. Mas conseguimos chegar a Portugal e estamos bem, estamos resguardadas”, explica.
Lídia Nogueira deixa ainda um apelo aos portugueses: que sejam “solidários” com a situação de muitos portugueses que estão no estrangeiro e que muitas vezes são “criticados” por quererem voltar.
“Nós saímos da Eslováquia porque nos foi pedido para sairmos da Eslováquia. E, pensando bem, é muito diferente recebermos os cuidados de saúde – se necessários – no nosso país, do que num diferente. No caso da Eslováquia seria muito complicado, a começar pela língua, porque na Eslováquia pouquíssimas pessoas falam inglês e se necessitássemos de cuidados de saúde tínhamos a noção de que ia ser muito complicado”, conclui.
Ainda antes destes testemunhos, a Renascença procurou saber junto da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas de que países é que o Governo tem recebido pedidos de ajuda através da Linha de Emergência Covid-19.
No entanto, em comunicado, é apenas avançado que “no último fim-de-semana, o Gabinete de Emergência Consular (que complementa, no período noturno e do fim-de-semana, a atividade da linha Covid19) recebeu 700 chamadas e 300 e-mails”.
O Gabinete garante ainda estar a acompanhar os estudantes portugueses em Erasmus, “para compreender as respetivas situações e identificar eventuais pedidos de apoio”.