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Covid-19

Coronavírus e grávidas. Patrícia vive com um médico e não se cruzam dentro de casa

21 mar, 2020 - 15:00 • João Carlos Malta

A gravidez é um período especialmente sensível. Se lhe pusermos em cima um estado de emergência nacional, provocado pela pandemia de Covid-19, tudo pode tornar-se particularmente stressante. Quatro grávidas partilham os seus anseios, medos e esperanças com a Renascença.

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Patrícia está agora com 38 semanas de gravidez. A menina que traz na barriga pode nascer a qualquer momento. E aquilo que em condições normais já seria um momento de especial ansiedade, está a ser vivido num contexto que nunca imaginou ser possível. Além do medo que sente em relação a uma possível infeção, vive na mesma casa com um médico que trabalha nos cuidados intermédios de um hospital público. Em casa, a família − que já conta com mais duas crianças de sete e nove anos − ficou partida a meio. Pai e mãe não se veem.

“Neste momento estamos isolados. Eu e os meus filhos num lado, e o meu marido noutra parte da casa. Não temos tido contacto físico. Os meninos também não estão em contacto com o pai. Temos feito vidas separadas. Vamos comunicando, às vezes ao longe, outras por telefone”, conta à Renascença a professora Patrícia Santos, de 40 anos.

Segundo o que se pode ler na página da Direção-Geral de Saúde, não existe informação sobre a suscetibilidade de grávidas à Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus, que já vitimou seis pessoas e infetou mais de mil. Contudo, estas mulheres sofrem alterações imunológicas e fisiológicas que as podem pôr em maior risco de contrair infeções respiratórias virais, incluindo o novo coronavírus.

O receio é tanto que Patrícia e o marido, − tal como acontece em outros casais em que há profissionais de saúde e filhos − já pensaram em medidas mais drásticas. “Ele já pensou em não vir para casa”, afiança.

Às vezes, Patrícia parece não querer acreditar no que está a viver. “Acordo e penso que isto é só um pesadelo, mas não. É a realidade.

O marido é médico no hospital de Penafiel, onde trabalhava o primeiro infetado com coronavírus em Portugal: um cardiologista de 60 anos, que passou férias em Itália, e com o qual o marido desta grávida privava.

“Todos os dias que vai trabalhar é uma incógnita e nunca sabe se está tudo bem ou não”, explica. Todas as precauções foram redobradas há muito tempo naquela casa de Vila Nova de Gaia. “O meu marido deu-se conta de que isto ia ser grave ainda antes de correrem as notícias. Ele dizia: ‘Atenção que isto não vai ser fácil’. Eu achei que ele estava a exagerar, mas tinha razão”, concede.

"Todos os dias que o meu marido vai trabalhar é uma incógnita e nunca sabe se está tudo bem ou não"

Tudo isto trouxe mudanças gigantescas na vida de Patrícia, além da separação física, está no fim da gravidez e naturalmente cansada. Ainda assim não consegue poupar-se no trabalho doméstico.

“Há uma sobrecarga, porque tenho de fazer tudo em casa. Ele não mexe nas coisas da cozinha, nem nos alimentos. Arrumo a minha parte e a dos meus filhos. Ele vem à cozinha devidamente equipado para desinfetar a loiça dele. Lavamos com lixivia e pomos na máquina”, concretiza.

A precaução para não se cruzarem gera situações caricatas como gritarem de um lado para o outro para perguntar se podem passar quando têm de ir a espaços partilhados.

“Eu não saio de casa, ele também prefere não sair, excluindo o trabalho, porque tem receio de infetar alguém”, refere.

Para já, Patrícia ficou desanimada com algumas novidades que teve nos últimos dias. Eram esperadas dado o contexto, mas custa sempre ouvi-las. “Não vou poder ter o meu marido a assistir ao parto. Não vou poder ter visitas. A única será do pai e dez minutos, não mais”, enumera.

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“Na altura da visita ele tem de ter a certeza de que não está infectado, vamos ter de ver como é que vamos gerir. Não vai ser fácil”, equaciona.

Tudo isto gera inevitavelmente um impacto psicológico, apesar de Patrícia até ser uma pessoa que tenta não pensar muito no que a rodeia. “Há alturas em que é inevitável. Quando precisamos de alguém, está bem que há o telemóvel, há tudo e mais alguma coisa, mas não há nada como o abraçar”, lamenta.

“Faz-nos falta o contacto físico, que tem um efeito que a tecnologia não tem”, determina. Ainda assim, faz um esforço para se acalmar. “Sabemos que muito do que sentimos é transmitidos ao bebé”, explica.

Às 20 semanas

A meio do período de gravidez, Beatriz Dourado, de 26 anos, confessa à Renascença que tem evitado sair de casa, mesmo para ir às compras. “Sempre que vamos à rua, tomamos logo banho e trocamos a roupa. Tentamos lavar frequentemente as mãos”, refere a jovem que vive em Braga.

Apesar dos medos de quem está grávida, numa altura de grande incerteza, o obstetra que segue Beatriz disse-lhe que “nada passaria para o bebé porque a placenta iria proteger o bebé”.

"Faz-nos falta o contacto físico, que tem um efeito que a tecnologia não tem"

Para já esta mulher de Braga já viu alterada a forma como vai ser seguida pelos médicos. “Tenho uma consulta, mas não vai ser presencial. Será por telefone, no hospital de Braga. Vou fazer um exame a glicemia, e quando chegarem os resultados, o obstetra vai-me comunicá-los telefonicamente”, disse.

Antes disso, tem uma ecografia no dia 30 de março. “A indicação que me foi dada é que devo ir sozinha. Na do primeiro trimestre, o pai pode assistir. Nesta tenho de ir sozinha por causa do Covid-19”, avança.

O futuro nestas alturas de incerteza aparece sempre mais nebuloso. “Se soubesse antes que isto ia acontecer, e que ia haver todo este alarmismo, pensaria duas vezes em ter o bebé já. Mas não conseguimos prever, e temos de levar as coisas da melhor forma”, assume.

Beatriz faz parte de um grupo do Facebook − em que várias futuras mães trocam experiências. São locais em que a partilha de histórias é constante o que ajuda a aliviar alguma tensão. Nos últimos tempos há um tema que tem emergido.

“As últimas coisas que se têm discutido é o tipo de baixas. Se dá ou não direito à remuneração a 100%. O dinheiro também faz falta. Alguns médicos de família não estão a passar baixa por risco. Estão a passar baixas normais, e as pessoas estão a ficar revoltadas com isso, porque vão receber muito menos − 65 ou 70% do vencimento”, critica.

A última dúvida, segundo Beatriz é acerca da vacina para a tosse convulsa que é dada a todas as grávidas, e “parece que os centros de saúde não estão a conseguir responder quando é que podemos dar esta vacina”.

O presidente do colégio de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos, João Bernardes, garante à Renascença que genericamente os serviços estão a responder bem aos desafios que a gravidez pode trazer na situação de pandemia que vivemos. Este responsável fala da necessidade de se falar a uma só voz, entre profissionais e Direção-Geral da Saúde.

Diz que há muitas normas diferentes entre países na gestão deste fenómeno, o que pode gerar muitas dúvidas, incertezas e mal-entendidos. A volatilidade da situação faz também com que as melhores práticas vão evoluindo.

O número de grávidas infetadas vai ser sempre pequeno. Pelo menos aquelas que terão de ter atendimento hospitalar. Embora a gravidez acarrete sempre um risco específico, por estar imunodeprimida, terão consequências relativamente reduzidas”, valoriza, ao mesmo tempo que alerta que em relação às gravidas e aos recém- nascidos temos de ser muito preventivos.

Tal como Beatriz, também Fernanda Dias, de 36 anos, está a meio da gravidez. Tem agora 19 semanas de gestação. Por natureza, declara-se, uma pessoa nervosa. Mas em relação a tudo o que se passa à sua volta o sentimento é outro.

“Estou muito calma, o que é de admirar. Se estivesse no primeiro trimestre, estaria mais nervosa porque eram aqueles primeiros meses mais críticos, mas pelo facto de ter conseguido uma baixa de risco por causa do coronavírus também faz com que esteja mais resguardada em casa”, afiança.

Confessa que ao início não valorizou muito, e foi até na IPSS que trabalha que mais insistiram para que fosse para casa. Assim fez, e depois de uma consulta e de uma primeira baixa que não invocava o risco, agora tem um documento que lhe dá 100% do rendimento que auferia.

No final desta semana, ficou a saber-se que a mulher infectada com o coronavírus que teve um bebé no Hospital de S. João, no Porto, se encontra bem e o filho testou duplamente negativo ao teste do Covid-19.

“Estou tranquila, e não haver mortes em crianças também me sossega bastante. Não estou preocupada porque estou agarrada a essa ideia”, remata.

No início é o medo

O caso de Maria Duarte é diferente. Está com 11 semanas de gestação, dentro do primeiro trimestre, o período mais sensível para o bebé.

Em relação ao momento que toda a sociedade vive, tem um cocktail de sensações. “Acaba de ser um sentimento de medo, de nervosismo, de ansiedade. Não sei explicar muito bem, é um misto”, refere.

A vida mudou radicalmente, e ela que aos 33 anos é mãe de mais duas crianças teve de criar novas rotinas. “Há momentos em que nos temos de abstrair um bocadinho para não entrarmos em pânico”, confidencia.

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As idas ao hospital, desaconselhadas em caso de não haver necessidade premente, são um fator novo de ansiedade. “Essa é uma incógnita, é um dos assuntos que falámos com o obstetra. Ele mostrou-se bastante prestável e deu-me o número pessoal no caso de ser obrigado a fechar a clinica e não poder seguir a gravidez”, explica.

As 12 semanas são um período muito importante com a necessidade de ecografia do primeiro trimestre. Mas Maria está dividida. “Ele pediu-me para no final do mês ir ao hospital para fazer uma ecografia, mas isto acaba por ser um pau de dois bicos para quem está nesta situação. Sabemos o que se está a passar nas unidades de saúde pública”, argumenta.

“Não sei se faço bem em ir ao hospital, porque posso contrair o coronavírus, mas ao mesmo tempo tenho que ir para ver se está tudo bem com o bebé. É uma incógnita e um misto de sensações e de dúvidas”, caracteriza.

Neste momento, e apesar de tentar abstrair-se, é difícil não ter preocupações. “Quando me deito, há sempre o fator ansiedade, por vezes durante a noite não durmo bem por causa do medo. No início, houve momentos de pânico. Há um grande receio, nesta altura de ficar doente”.

Apesar de não conhecer casos de contágio da mãe para o bebé, esta situação nunca antes vivida no mundo faz com que para Maria tudo seja percepcionado como “uma incógnita”.

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  • Filomena
    02 out, 2020 matosinhos 16:52
    Sou profissional de saúde, já estive covid19 positiva, isolada, e agora que estou grávida continuo a trabalhar no hospital, no internamento, com medo de apanhar covid19. As minhas colegas quando sabem que estão grávidas vão logo para casa de baixa, é lhes dado um p1 para análises e receita de suplementos. Eu só fui contactada pela minha médica passados 9 dias depois de ela saber que estou grávida deu me uma receita para os suplementos e só tenho consulta presencial daqui 3 semanas. Continuo a trabalhar num foco de infecção. Porquê é que uns tem tanta atenção e cuidados e outros não?
  • Claudia
    23 mar, 2020 Barcelona 11:46
    Nossa. Exactamente o que EU sinto. Duvida grande en ir ou não ir ao hospital para fazer acografia. Gravidas deveriam Ter um local mais seguro do que os centros médicos repletos de pacientes contagiados. Ir ao centro e fazer o exame significa correr muito risco.

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