23 mar, 2020 - 11:00 • Liliana Monteiro
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"‘Então não valeu a pena?! Nem sei quanto é que valeu !?", diz D. Arminda, 91 anos, toda contente quando lhe perguntam se valeu a pena falar com a filha por videochamada.
A modalidade de comunicação é nova, mas agrada muito porque consegue ver a filha e vice-versa. Está num lar na área da Grande Lisboa e confessa que já tem saudades da filha. Além dela, fala também frequentemente com os netos.
Esta tem sido uma nova realidade para muitos idosos portugueses. Os familiares não entram pela porta da sala de visitas, mas aparecem sorridentes ao telemóvel.
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"Os idosos ficam menos preocupados e sentem que não foram abandonados, as famílias mais tranquilas por poderem vê-los bem", explica Paulo Fernandes, técnico auxiliar em geriatria e gerente de um lar na àrea da Grande Lisboa, em entrevista à Renascença.
"Os que não têm demências acentuadas concordaram em não ter visitas. A nossa abordagem foi no sentido de evitar o contacto com o exterior. Aceitaram, mas claro que têm saudades dos filhos", reconhece.
O período de ausência física dos familiares ainda não é longo, mas Paulo Fernandes teme que o tempo se torne pesado demais. "Não temos sentido períodos de ansiedade, mas alguns têm família ou conhecidos na área da saúde e ficam preocupados", revela, acrescentando, por outro lado, que "70% não têm perceção do problema". "Com os outros fazemos o exercício mental para pensarem que os filhos estão de férias. Estamos a agir de forma articulada com o apoio do médico e da enfermeira", conclui.
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Todos os dias os familiares contactam por telefone, as viedochamadas funcionam muito bem, mas "infelizmente alguns filhos não têm essa tecnologia e pedimos ao netos para ajudarem nessas videochamadas", conta-nos Paulo Fernandes.
A D. Joaquina, a caminho dos 88 anos, está há menos de um ano no lar e é outra das senhoras que iniciou esta nova aventura de comunicar por videochamada. Tem quatro filhos e durante a conversa com a família lá vai repetindo que "não vale a pena virem gastar dinheiro porque ninguém entra aqui, não podem vir! Vamos falando assim. Beijinhos", despede-se, recebendo mensagem de esperança do outro lado: "Quando aí formos vamos enchê-la de beijinhos!".
Maria Silva gere outro lar na Grande Lisboa e afirma que tem tentado não demonstrar a gravidade da situação aos utentes, embora tenha explicado que "não podia haver visitas por causa de um vírus grave". "Eles entenderam", explica. "Acho que não merecem saber que ir à rua pode-se tornar fatal e o contacto com os filhos pode ser mau para uns e para outros".
"Sabendo que os filhos estão bem, eles sentem-se também muito bem. A videochamada facilita imenso porque se vêem. Eles já passaram por muito na vida, uma ditadura e tanta fome. Isto é uma fase e vai passar", anseia.
Maria optou por ficar no lar com as funcionárias. Ninguém sai e o que entra é desinfetado, "as encomendas são feitas pelo telefone e são deixadas à porta". Entre higiene, refeições e atividades, a televisão vai sendo também uma grande ajuda para passar o tempo. "No outro dia viram o Marco Paulo na televisão e ficaram todas contentes", recorda.
"Temos de salvaguardar a saúde e o bem-estar deles para os poupar, não só a eles mas também aos hospitais para que dediquem [atenção] a quem mais precisa agora", afirma Maria Silva.
Ambos os responsáveis por este lar nos dizem que estão a fazer o melhor que sabem para proteger os idosos, mas lamentam não terem recebido qualquer contacto das autoridades a explicar como devem proceder durante a pandemia. "Sabem onde estamos quando é para fiscalizar, mas para ajudar e prestar informação, já não sabem", lamentam.