26 mar, 2020 - 11:13 • Maria João Cunha
A Direção-geral da Saúde aprovou o uso de alguns antivirais que têm sido apontados como esperanças no combate à Covid-19, de acordo com uma norma publicada no seu site.
No documento, que determina a abordagem aos doentes nesta nova fase de mitigação, refere-se que, “à data”, podem ser “equacionadas terapêuticas antivirais” em pacientes internados. A administração dos fármacos deve ser feita de acordo com uma série de critérios e sempre dependendo de avaliação clínica.
A DGS sublinha também que não há atualmente medicamentos autorizados para tratamento de Covid-19, e que, de entre os candidatos terapêuticos, “considerando o conhecimento científico atual e as recomendações da OMS”, são estes que se encontram em investigação.
Para doentes em enfermaria, podem ser considerados cloroquina ou hidroxicloroquina e lopinavir/ritonavir, se os doentes apresentarem insuficiência respiratória e evidência radiológica de pneumonia, ou, no caso das crianças, se apresentarem algumas doenças prévias.
Segunda fase de mitigação
Todo o sistema de saúde (seja público, privado ou (...)
Para todos os doentes em unidades de cuidados intensivos, mais graves, acrescenta-se a possibilidade de adicionar o remdesivir. Teresa Leão esclarece à Renascença que a utilização destes medicamentos "depene muito da abordagem de pessoa para pessoa, de médico para médico". "A evidência ainda não é necessariamente muito conclusiva, mas aquilo que tem vindo a ser dito é que talvez haja resultado no caso de tratamento de situações graves da Covid-19", explica.
Apesar desta possibilidade conferida aos médicos portugueses para tratamento da doença, a investigadora do ISPUP e médica de saúde pública, sublinha que é necessário "ter a noção de que numa grande parte dos casos isto é uma doença bastante leve, que não carece de outro tratamento que não seja o equivalente ao utilizado numa gripe normal".
A sua utilização será, sublinha, sempre ponderado, "porque se trata de medicamentos que trazem alguns efeitos adversos". "O seu uso será, com toda a certeza, sujeito a uma supervisão clínica muito grande", acrescenta.
Remdesivir é um antiviral intravenoso de largo espectro, ainda em fase de testes, criado pela farmacêutica norte-americana Gilead Sciences em 2014, como potencial tratamento para o ébola. Ainda não está aprovado em nenhum país do mundo para nenhum uso.
Sendo experimental, segundo a própria Gilead, o remdesivir “não tem segurança ou eficácia confirmada para o tratamento de nenhuma doença”, mas os testes “in vitro” e “in vivo” em animais mostram bons resultados contra a MERS e SARS, ambas da família dos coronavírus e, por isso, acredita-se que poderá ter “potencial” contra a Covid-19.
A farmacêutica continua os testes clínicos e abriu “acesso de emergência” fora destes testes na sequência da pandemia. Mostra-se interessada em acelerar o acesso ao medicamento para pacientes gravemente doentes, em coordenação com as autoridades reguladoras de países de todo o mundo, para permitir também recolha de mais dados para o estudo clínico do fármaco.
A DGS esclarece, na norma agora divulgada, que para ter acesso a este medicamento, o médico assistente do doente tem de submeter um pedido através do portal da farmacêutica, que depois avalia, caso a caso, se o doente cumpre os critérios de inclusão. Após aprovação, o Infarmed tem ainda de autorizar a sua utilização excecional.
Não há qualquer vantagem em tomar este medicamento(...)
Nos Estados Unidos, o remdesivir surge envolto em polémica, depois de a FDA, agência federal que regula a indústria farmacêutica, ter concedido benefícios financeiros e exclusividade de acesso ao mercado, caso o fármaco venha a ser aprovado.
O fármaco começou a ser testado contra o novo coronavírus na China, em fevereiro, mais recentemente nos Estados Unidos, e faz parte dos testes clínicos promovidos em vários países pela OMS, mas não há ainda evidência científica de que é eficaz.
Lopinavir/ritonavir é uma combinação de antivirais indicada para o tratamento do vírus da imunodeficiência humana (VIH/Sida). Segundo o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC), num teste controlado feito na China, esta medicação não mostrou “qualquer efeito favorável no curso clínico ou na mortalidade, quando comparado com o tratamento padrão”.
Cloroquina ou hidroxicloroquina é um medicamento contra a malária, usado também em casos de artrite reumatoide e lúpus. O ECDC diz que este fármaco mostrou resultados nos testes “in vitro” e em algumas séries pequenas e pouco representativas de casos na China e na Europa e que, por isso, “continua a ser uma das terapêuticas possíveis que precisam de ser avaliadas”.
Em Portugal, ambos os medicamentos estão aprovados pelo Infarmed. Esta quinta-feira, a autoridade nacional do mediacamento lançou um alerta para possibilidade da existência de medicamentos falsificados na internet, no âmbito da pandemia de Covid-19, e apelou aos consumidores para comprarem apenas em sites autorizados. A Renascença procurou obter esclarecimentos adicionais por parte do Infarmed, até ao momento sem sucesso.
A cloroquina é utilizada no tratamento da malária (...)
O Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) enumera como possibilidades a testar ainda mais candidatos terapêuticos do que os indicados pela DGS: acrescenta o ribavirin, interferão beta-1a e favipiravir.
Reforça que ainda não há ensaios clínicos controlados e aleatórios que permitam concluir a efetividade de todos estes medicamentos.
Nos últimos dias, a OMS anunciou um “solidarity trial” (ensaio clínico solidário), uma iniciativa sem precedentes que junta vários países no esforço de contribuir com dados robustos e de grande qualidade, com mais rapidez e volume, para validar as opções de tratamento.
Não há notícia da participação de Portugal neste estudo de larga escala, mas os medicamentos testados são os mesmos indicados agora pela DGS (excluindo a combinação de interferão beta-1a com lopinavir/ritonavir) e serão comparados com o tratamento atual, que apenas se dirige aos sinais e sintomas da doença.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, dizia, na segunda-feira, que “quantos mais países se juntarem a este e outros grandes estudos, mais depressa teremos os resultados sobre os medicamentos que funcionam e mais vidas poderemos salvar”.
Atualmente não há tratamento específico ou vacina contra a infeção por Covid-19, um vírus que pode provocar uma pneumonia bilateral e atacar os dois pulmões, nos casos mais graves. Os doentes críticos podem precisar de suporte respiratório e oxigénio. A ventilação pode ser não invasiva (com pressão negativa) ou mecânica. Portugal está agora a adquirir ventiladores para garantir capacidade de resposta à pandemia.
Nota: Não tome medicamentos sem indicação expressa do seu médico e não procure obtê-los na farmácia porque pode comprometer a sua disponibilidade aos doentes hospitalizados.