28 mar, 2020 - 07:30 • Sérgio Costa
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Onde há um mês a espera poderia ser exasperante, hoje é suportável. Onde as cadeiras eram escassas para tantos doentes, agora aparentam ser excessivas perante o reduzido número de utentes a aguardar atendimento urgente.
O cenário, impensável há poucas semanas, é comum a muitos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde (centros de saúde e hospitais) e confirma os dados disponíveis na monitorização diária dos serviços de urgência.
Se até fevereiro deste ano, todos os meses atingiram máximos de episódios urgentes a rondar os 20 mil (distribuídos por todas as unidades do país), março regista números surpreendentemente baixos e sem paralelo, pelo menos desde 2016. Importa aqui sublinhar um padrão que coloca março como um dos meses onde, invariavelmente, se regista um menor número de episódios de urgência, mas 2020 acentua, de forma exponencial, essa tendência.
Quais as razões? É naturalmente possível estabelecer uma relação causa/efeito com a pandemia de Covid 19 e os receios da população em relação ao novo coronavírus. Em entrevista à Renascença, o presidente da Associação de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, admite ser “uma quebra esperada”, mas afasta por agora uma conclusão por considerar “ser necessário recolher mais dados” sobre uma diminuição tão acentuada.
O gráfico mostra uma queda abrupta justamente a partir do momento em que o país ficou consciente da ameaça do novo coronavírus, a partir do momento em que foi declarada a pandemia mundial e impostas, por cá, medidas restritivas para contenção de contágios.
Fonte: Portal de Transparência do SNS
Tendo como ponto de partida o dia em que o primeiro-ministro anunciou a decisão de encerrar escolas, 12 de março - altura em que se verifica já um número invulgarmente baixo (pouco mais de 12 mil episódios) - é possível identificar uma curva descendente a coincidir com a declaração do estado de emergência em Portugal e a culminar a 26 de março, com uns pouco expressivos 5.030 atendimentos urgentes. É neste valor invulgar que reside a preocupação das autoridades de saúde.
A diretora-geral da Saúde alerta que as pessoas com doenças graves devem continuar a ir ao hospital e a procurar cuidados médicos. Graça Freitas lembra que os hospitais estão divididos entre áreas para doentes Covid (ADC) e áreas para pessoas não infetadas.
"Se tiverem mesmo necessidade, devem ir. Quem tem doença grave não pode deixar de ir a uma urgência", explica, falando para doentes crónicos e para situações agudas. A deslocação, conclui, só “deve ser evitada se não for estritamente necessária”.
O presidente da Associação dos Administradores Hospitalares partilha da preocupação com o facto de o receio provocado pela pandemia ter um efeito perverso no recurso às urgências em situações graves. Por outro lado, Alexandre Lourenço frisa que o presente cenário confirma o que repetidamente a Associação e outras figuras do setor têm referido: 40% dos atendimentos habituais não são urgentes.
As preocupações dos administradores não ficam, no entanto, por aqui. Alexandre Lourenço manifesta apreensão com o futuro, alertando para os efeitos de uma eventual duração prolongada da atual situação.
A consequência, avisa, serão “dificuldades no acesso com impacto no estado de saúde da população”. Em causa está não só um previsível regresso em força às urgências, mas também as sucessivas reprogramações de cirurgias e consultas. Para evitar um problema adicional no SNS, os administradores hospitalares sugerem “novas estratégias” que permitam “respostas paralelas” para garantir o atendimento dos utentes.
A estratégia, acrescenta Alexandre Lourenço, passará por “parcerias com autarquias, associações de doentes e o setor social”. É urgente “resolver as dificuldades de articulação com o setor social”, por forma a que o SNS “se reinvente”, apela. E conclui: a atual crise “pode ser uma oportunidade para tornar o Serviço Nacional de Saúde mais eficaz, com menos custos e com melhores cuidados para a população”.