28 mar, 2020 - 15:11 • Rosário Silva
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São cerca de 680 quilómetros, de uma quase linha reta, entre Valência (Espanha) e a fronteira do Caia (Elvas). A barreira policial está instalada, é assim desde que a reposição de fronteiras entre Portugal e Espanha foi ativada, e o pesado de mercadorias que Pedro conduz é alvo de fiscalização.
Da cidade portuária de Espanha chega, nesta sexta-feira, um carregamento de manteigas. Um militar da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana (GNR) pede para ver a carga, mas não sem antes perguntar se o camionista fez boa viagem.
À resposta afirmativa, segue-se o desejo verbalizado por Pedro de chegar rapidamente a casa, ainda que em segurança, depois de ter estado fora uma semana. É da zona de Arruda dos Vinhos, antes terá de passar por Torres Novas para descarregar o camião.
“Assim que chego a casa, logo à entrada, é tirar a roupa que vai logo para a máquina, tomar um bom duche e, só depois é que vou ver os meus filhos”, conta o motorista de pesados à Renascença.
A higiene é, de resto, muito valorizada por quem não pode ficar em casa. Para estes profissionais, são verdadeiros dias de angústia.
“Temos de nos defender o máximo que pudermos, pois isto não é uma dor no braço, que sabemos onde se localiza, mas é uma coisa que não se vê e temos de ter muito cuidado, por nós e pelos nossos”, afirma o camionista, consciente do perigo que corre em tempos de pandemia de coronavírus.
“Dantes tomávamos banho nas áreas de serviço, pagava-se, ou então nas empresas, mas agora não podemos fazer nada disso, então, é chegar, entregar as cargas, voltar a carregar e vir logo para cá”, conta-nos, numa altura em que o país vizinho vive uma situação dramática por causa da pandemia do novo coronavírus.
Cafetarias, lojas, restaurantes, as áreas de serviço, as casas de banho, tudo está encerrado do lado de lá desta fronteira. Se já são penosos os dias que passam longe das famílias, os motoristas de pesados que percorrem as estradas europeias, sentem-se, agora, mais solitários e desprotegidos.
“A parte da higiene é muito diferente agora, e eu, são poucos dias, mas aqueles colegas que estão um mês fora, 20 dias, bem, é muito mais complicado”, admite Pedro, que está agora liberado para seguir viagem, acompanhado dos conselhos que o militar da GNR fez questão de transmitir.
No controlo temporário das fronteiras terrestres, desde o dia 16 de março, a segurança e fiscalização do trânsito está a cargo da GNR, que trabalha em conjunto com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a autoridade responsável pelo controlo de pessoas nas fronteiras, e com a Direção-Geral da Saúde (DGS).
Em Portugal, há nove pontos onde a fronteira está a ser controlada. Só entram no país os transportes de mercadorias, os veículos de emergência e socorro e de serviço de urgência, e os trabalhadores transfronteiriços, havendo várias exceções, como por exemplo, os portugueses que trabalham do lado espanhol e têm de regressar a Portugal todos os dias, ou aqueles que necessitem de cuidados de saúde no outro país.
Até 15 de abril, pelo menos, vai ser assim. Declarada que está a reposição de fronteiras, o controlo é feito 24 horas por dia, de forma sistemática.
“Neste Ponto de Passagem Autorizado (PPA), para além do SEF, de forma constante, temos cinco militares divididos por quatro períodos, ou seja, há sempre cinco militares em permanência”, explica, à Renascença, o capitão João Lourenço.
A detenção de uma mulher estrangeira, na posse de droga, é o registo mais notório das ocorrências na fronteira do Caia até este sábado, sobretudo após ter sido confirmado que testou positivo para a Covid-19. Os 16 militares da GNR que contactaram com ela “estão de quarentena por precaução", confirma o capitão.
O comandante do Destacamento Territorial da GNR de Elvas fala num trabalho exigente, mas com balanço positivo. “As ações têm decorrido dentro da normalidade. Temos tido registo de pequenos incidentes, mas não são de relevo, são apenas situações que têm de ser dirimidas, em coordenação com as entidades nacionais e com as entidades espanholas”, indica o capitão João Lourenço.
Covid-19
Há apenas nove pontos de passagem entre os dois pa(...)
Nos primeiros 10 dias de reposição das fronteiras por causa da pandemia de Covid-19, no Caia, foram controlados pelo SEF, com a colaboração da GNR, 9.810 cidadãos, tendo sido recusada a entrada a 199 pessoas.
“No início, as pessoas estranharam esta ação, mas com o passar do tempo já agem com toda a normalidade e estão a acatar as nossas indicações, sem qualquer registo de incidentes”, afirma o comandante da GNR de Elvas.
O município elvense disponibilizou o edifício do Posto de Turismo, no local, dando “apoio em termos de espaço físico”, e onde foi criada também uma “zona de isolamento, para fazer face a uma eventual situação de suspeita”, mas até ao momento “não foi necessária”, indica o capitão Lourenço.
Todos os dias, centenas de pessoas e veículos transpõem este PPA, com um registo muito significativo de fluxo rodoviário, “principalmente pesados de mercadorias”, tendo-se vindo a verificar “uma diminuição de ligeiros de passageiros e de pessoas a tentarem entrar em território nacional.”
A procura de outros pontos de contato, não autorizados, com a finalidade de atravessar a fronteira, preocupa o comandante do Destacamento da GNR de Elvas. “Temos reforçado a vigilância nos vários pontos de passagem e intercedemos junto dos indivíduos que querem entrar sem autorização”, garante.
Uma outra situação que se tem verificado noutras fronteiras portuguesas, e à qual a GNR está atenta na região alentejana, prende-se com a tentativa de passagem de pessoas, à boleia de um camião. “Até ao momento não temos qualquer registo de pessoas que tenham tentado entrar num pesado, de qualquer forma estamos atentos, e realizamos recorrentemente fiscalizações a pesados de mercadorias, não só pela questão da mercadoria, mas também para não deixar que isso aconteça”, atesta.
O capitão João Lourenço é, por estes dias, o homem do leme, coordenando dezenas de militares com diferentes missões.
“Tem sido um grande desafio, de uma grande exigência, com grande dedicação profissional e também com grande dispêndio de tempo, o que me obriga a conciliar de uma forma muito criteriosa a questão familiar, tentando salvaguardar aqueles que me são mais próximos, evitando o contato com eles, dado que estou numa zona mais sensível”, revela-nos.
Mas não está sozinho. Os militares que com ele trabalham, também reportam que abdicam de ter contato próximo com os familiares, porque há uma missão para cumprir.
“Acaba por ser uma missão que implica sacrifício, mas que está inerente à nossa condição de militar, e à qual os homens se têm entregado devotamente, acabando por despoletar o próprio espirito de cada um”, acrescenta.
O comandante confessa que “têm sido bonito verificar a dedicação que os militares têm ao serviço e isso é algo que nos tem alegrado e ajudado a criar um espirito de união, o entusiasmo em trabalhar em prol dos outros. É nestas situações mais difíceis que podemos ver com quem podemos contar.”
E se o espirito de missão ou de sacrifício for repartido por todos, por quem protege e por quem beneficia da proteção e segurança, então mais facilmente se consegue ultrapassar qualquer obstáculo. Por isso, sublinha o capitão, “quem puder, fique em casa para garantirmos que o vírus não se propaga e possamos, assim, quebrar a cadeia.”
Evolução de casos confirmados de infeção em Portugal