30 mar, 2020 - 20:37 • Ana Carrilho
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Paulo Fernandes é proprietário de um lar em Caneças, com três anos, onde tem cerca de 30 idosos. Ainda é ilegal, mas depois de cumpridos os requisitos da Segurança Social nas inspeções que fez ao local, pode avançar para o pedido de licença provisória de funcionamento.
Todos os anos tem recebido os avisos para a vacinação contra a gripe e também recebeu, há dias, as recomendações da Direção Geral de Saúde sobre a covid-19. Portanto, conclui, “a Segurança Social e a DGS sabem da existência deste lar mas não sei se estamos ou não englobados neste rastreio”.
Garante que não tem ninguém com sintomas. “Por alta recriação, meço a febre a todos os funcionários, todos os dias, quando entram e quando saiem. E aos idosos, de manhã e ao fim do dia. Está tudo informatizado, com gráficos, para seguir a evolução das temperaturas. A sala de isolamento, caso venha a ser precisa, está pronta. É como estamos a funcionar neste momento”, explica Paulo Fernandes à Renascença.
Por muito que custe a todos, as visitas dos familiares foram restringidas no início do mês de março e proibidas, desde dia 10. A alternativa para matar saudades, agora, são as vídeo-chamadas.
Quanto ao funcionamento diário, exige muita disciplina entre os 15 funcionários, a quem as regras de prevenção e higienização são constantemente lembradas. “Vou orientando e lembrando que têm que lavar e desinfetar as mãos, usar máscara e luvas."
Ao contrário do que já acontece noutros equipamentos, do sector social ou particulares, neste lar os funcionários entram e saiem todos os dias, não dormem lá. Paulo Fernandes mostra-se muito cético em relação às vantagens de dividir as equipas, deixando uma dentro das instalações durante alguns dias e mandando a outra para casa em quarentena. “É preciso ter a certeza que as pessoas ficam mesmo em casa, porque se andarem na rua corre-se o risco de, quando voltarem, virem contaminadas. Quem controla essas pessoas?”
Ainda assim, admite que é um risco que se corre todos os dias. “Não posso ir atrás de ninguém, sai do serviço e faz o quiser. Enquanto aqui está, usa as luvas e máscara, porque eu obrigo; lava e desinfeta as mãos frequentemente, porque eu obrigo. Isso é quase incontrolável, fica à consciência de cada um proteger-se e, assim, proteger também os outros”, frisa Paulo Fernandes.
Covid-19 nos lares clandestinos pode ser devastadora
Desta vez o Governo não deixou os lares particulares fora das medidas, nomeadamente da realização de testes covid-19 aos idosos, referiu à Renascença João Ferreira, presidente da ALI – Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de idoso.
10 mil testes começaram a ser realizados hoje e vão chegar a instituições do sector social (IPSS e Misericórdias) e particulares. Aparentemente, não vão chegar aos cerca de 35 mil idosos (contas da ALI) que estão em lares ilegais e clandestinos. Essa foi uma questão que a Renascença tentou esclarecer junto do gabinete da Ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, ao longo do dia, mas sem sucesso.
Para os idosos que estão em lares clandestinos, a situação pode ser bem mais dramática. Muito frequentemente não reúnem condições básicas e dignas, são autênticos “depósitos” e em caso de contaminação de algum dos utentes, o contágio é certo. Sem a realização de testes, ainda pior. “Receio que seja muito feio o que vai acontecer nesses lares clandestinos”, diz João Ferreira.
O dirigente associativo dos lares particulares lembra que ao longo dos anos a Segurança Social só tem atuado com encerramentos quando há denúncias de maus tratos ou quando as inspeções se deparam com condições inaceitáveis. Mas as ordens de encerramento raramente são cumpridas e rapidamente “abrem noutro lado, sempre a fugir à Segurança Social para não serem identificados”.
João Ferreira admite que não são fáceis de localizar e “há milhares pelo país”. Encontrar estes lares pode exigir muito trabalho à Segurança Social. Mas é neste caso que as forças de segurança (sobretudo a GNR) e os bombeiros podem ajudar, “porque sabem onde estão, vão lá buscar e levar doentes”.
Da parte da Liga de Bombeiros, a Renascença não obteve qualquer resposta, mas a GNR garante que atua, com base em denúncias e fiscalizações “que têm vindo a aumentar nesta fase”. Ainda assim, a GNR considera que esta é uma matéria em que “o Instituto da Segurança Social tem um papel fundamental”.