30 mar, 2020 - 16:06 • André Rodrigues
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O presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, defende que a eventual renovação do estado de emergência deve contemplar regras mais apertadas, que limitem a circulação de pessoas no espaço público.
Comentando as enchentes em várias praias de norte a sul do país e, depois de um fim de semana em que foi notícia a tentativa de vários automobilistas rumarem de Lisboa para sul, Ricardo Mexia diz à Renascença que existe "um conjunto de exceções que estão previstas em relação ao distanciamento físico e à obrigatoriedade das pessoas permanecerem em casa que, eventualmente, têm que ser repensadas, porque as pessoas não deram o sinal necessário de que entendiam a necessidade desse confinamento".
As regras atuais impõem a permanência em casa à exceção das saídas de casa para compras em supermercados, padarias e serviços de restaurante em regime takeaway, bem como idas à farmácia, compra de jornais, pequenos passeios com crianças, prática de exercício físico nas imediações das residências e passeios com animais de estimação.
Mas, no atual contexto nacional, em que a transmissão do Covid-19 está fortemente disseminada na comunidade, Ricardo Mexia defende que o governo "deverá equacionar a retirada dessas exceções".
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Sem prejuízo do impacto que o apertar das restrições possa ter na saúde mental da população confinada, este especialista considera que "as atuais devem ser retiradas" e, no atual contexto, "será preferível que as pessoas mantenham o seu nível de atividade física, adaptando-o ao domicílio, porque, dessa forma, estarão a contribuir para a proteção de toda a comunidade, muito mais do que se forem dar o seu passeio".
Quanto aos atletas de alta competição, Ricardo Mexia sublinha que, "estando todo o quadro competitivo suspenso, por força da pandemia, estes profissionais deveriam deixar de estar abrangidos pelo regime de exceção". A alternativa, diz, "deverá passar pela manutenção da atividade física, mas, obrigatoriamente, adaptada à sua prática em contexto domiciliário".
Enquanto se aguarda uma decisão sobre a adoção de uma cerca sanitária na região do Porto, Ricardo Mexia diz ter dúvidas quanto à eficácia de uma medida desse género nesta fase.
"Quanto mais para a frente na pandemia se tomar uma decisão destas, menor será o seu impacto", adverte o presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública.
Estabelecendo o termo de comparação com situação de Ovar, Ricardo Mexia reconhece que, "nesse contexto local específico, a medida do cordão sanitário aconteceu num momento em que a disseminação da doença no país era diferente e permitiu circunscrever. Eventualmente, poderá ter havido aí um contributo na circunscrição dos casos àquela região, permitindo identificar rapidamente todas as situações".
Não sendo esse o atual contexto epidemiológico, Mexia diz não ver grande utilidade e insiste que "a chave do sucesso no combate à doença é e continua a ser o distanciamento social".
Ricardo Mexia critica "a forma reativa" como as autoridades de saúde têm atuado desde o início da crise.
Descontando o caráter dinâmico de uma pandemia deste género, em que a curva de infetados e de vítimas continua, e continuará a subir, o líder associativo dos médicos de Saúde Pública admite que "temos que ter maior capacidade de antecipar as soluções e de as implementar em tempo útil".
E dá como exemplo o sistema de informação que permite acompanhar em tempo real a evolução da pandemia.
"Estamos a implementar uma solução que demorou duas semanas a desenhar e a aplicar, mas que é um sistema de informação que dificilmente pode ser funcional nesse cenário. Ainda por cima, aplicar uma solução deste género em pleno surto é extraordinariamente difícil, porque implica dar formação às pessoas e implica, também, que a ferramenta esteja a funcionar de forma ágil".
Mexia diz ser necessário "acautelar e antecipar as necessidades futuras, por forma a ter uma resposta mais atempada.
"Para o que não há remédio, remediado está e reconheço que, nesta fase, é difícil recuperar deste problema. Mas, uma vez estando isto resolvido, é importante que se faça uma reflexão profunda sobre a necessidade de estarmos mais bem preparados para responder a ameaças deste género porque sabemos que, infelizmente, poderemos, no futuro, ter outras semelhantes a esta", conclui.