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Coronavírus

“Ponham as destilarias todas a fazer álcool”. Empresas estão a responder ao desafio

01 abr, 2020 - 11:00 • Olímpia Mairos

Há necessidade de álcool nos hospitais e nas farmácias. Importar não é solução e o Ministério da Agricultura definiu como prioridade a produção de um bem essencial para responder à pandemia de Covid-19. Há empresas por todo o país já a adaptar o processo produtivo. Em Folgosa do Douro, há uma destilaria a produzir 20 mil litros de álcool por dia.​

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O álcool é, por estes dias, um bem precioso. O produto escasseia nas farmácias, nos supermercados de todo o país e é essencial nos hospitais. A grande procura e a pouca oferta fizeram disparar os preços dos produtos com álcool etílico e desinfetantes para as mãos, nalguns casos para o quíntuplo, desde que o novo coronavírus se tornou uma pandemia global.

Como resposta, o Ministério da Agricultura declarou prioritário o pagamento de apoios à produção de álcool para uso hospitalar e farmacêutico, no âmbito dos pagamentos à desnaturação proveniente dos produtos vinícolas. A Renascença foi ao Douro, onde o álcool, tradicionalmente ajustado ao palato, é neste momento produzido para preencher as necessidades dos hospitais e das farmácias. Necessidades que também se sentem na região.

“Há duas semanas que não tenho gota de álcool e são cada vez mais os clientes a virem procurar”, diz à Renascença um farmacêutico de Vila Real, que pediu para não ser identificado.

Indignado por não poder disponibilizar o produto que considera “um bem precioso, nesta altura de crise”, o farmacêutico afirma que tudo isto “é uma vergonha, como é uma vergonha o preço a que alguns o vendem”. “Não há direito alguns aproveitarem-se de uma tragédia para fazerem negócio”, desabafa.

As farmácias têm capacidade para fazer álcool gel, mas sem o álcool etílico não é possível. Cristina Ferronha, farmacêutica em São João da Pesqueira, bem no coração da Região Demarcada do Douro, está sem álcool e, por isso, lança um desafio ao país.

“O meu desafio é pôr as destilarias a trabalhar 24 horas por dia, para produzir álcool para Portugal, porque nós não podemos estar à espera que os países que normalmente nos fornecem álcool nos enviem o produto, porque esses países estão tão mal ou pior do que nós”, afirma a farmacêutica.

“Não nos vão vender álcool”, enfatiza a farmacêutica, acrescentando que “o álcool que temos em Portugal vem pela destilação das bebidas alcoólicas, de elementos fermentados e nós não temos destilarias a funcionar para as nossas necessidades, porque desde a entrada na União Europeia ficamos sem cotas de destilação”.

“O álcool que nós precisamos para Portugal, seja para a indústria químico-farmacêutica seja para outras indústrias, seja para a industrial vínica, que gasta muito álcool para fazer aguardentes, vinho do Porto, para fazer vinhos moscatel, compramos aos franceses”, acrescenta.

Não podemos estar à espera do álcool de França

Cristina dá o exemplo de França, onde “as farmácias são abastecidas diariamente com álcool e os farmacêuticos e os bioquímicos e as pessoas todas que têm disponibilidade preparam álcool gel”, enquanto que no nosso país “não se pode fazer, porque não temos matéria prima, somos importadores de matéria prima quando, no Douro, por exemplo, não falta vinho para fazer álcool”.

E a falta de álcool é um problema grave porque, diz, “eu não tendo, não tem a junta de freguesia, não têm os lares, não tem a população em geral. E não é só a minha farmácia que não tem, é a maioria das farmácias portuguesas”. “Mudem-se ou ultrapassem-se as regras e ponham-se as destilarias a trabalhar”, insiste a farmacêutica.

Na região do Douro, sabe a Renascença, a falta de álcool está a ser colmatada com o recurso a aguardentes vínicas, com alto grau alcoólico. Quem tem, e são muitos os produtores de vinho do Porto na região que possuem o produto, reparte com os amigos.

É o caso de Antónia Silva que, face à falta de álcool nas farmácias, tem distribuído pelos amigos “algumas garrafas para se protegerem”. “Alguns até repartiram por frasquinhos que agora trazem no bolso”, conta.

A aguardente vínica é, por definição, uma bebida espirituosa obtida exclusivamente por destilação do vinho ou de vinho aguardentado ou por re-destilação de um destilado de vinho a menos de 86 % vol.

No coração do Douro há uma destilaria pronta a produzir 20 mil litros de álcool por dia

Em Folgosa do Douro, no concelho de Armamar, a Destildouro, Destilações do Douro, está a trabalhar “a toda a força” para que não falte álcool no mercado.

“Tivemos conhecimento desta carência crítica de álcool há duas semanas e apesar de, em termos de processos industriais, nós estarmos preparados para fazer álcool de consumo de boca - nós produzirmos aguardentes e álcool que é utilizado na produção do vinho do Porto - rapidamente tratamos de reajustar os processos e preparamo-nos para esta eventualidade de o mercado nos vir a solicitar esta resposta”, conta à Renascença Maurício Diegues.

O empresário refere que conseguiram produzir com sucesso o álcool desnaturado, álcool sanitário, e que obtiveram “uma resposta muito célere e sensível por parte das entidades competentes da alfândega, que teria que dar autorização para produzir este produto que sai da nossa esfera de atividade central”.

A primeira entrega de álcool para fins sanitários foi efetuada na passada sexta-feira. E há mais produto pronto para ser entregue.

“Temos uma capacidade produtiva que será em torno de 10 a 20.000 litros por dia e não me parece que possa existir uma falha de fornecimento por falta de produto”, afiança o empresário, acrescentando que “o que está a acontecer é uma falta de informação de entidades que mergulharam em processos logísticos dificilíssimos de concretizar e não nos contactaram para dar resposta, que é muito simples, é só receber a encomenda e dar um prazo de entrega”.

As duas fases do processo de produção de álcool

“Nós começamos por produzir um dos ingredientes do álcool gel que há muita falta no mercado, que é o etanol, o álcool propriamente dito. Entretanto, estruturamos com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro a solução da produção ao álcool gel, tendo nós só ao álcool. Temos a intenção de disponibilizar o produto definitivo de utilização pessoal até ao final desta semana”, conta o responsável da destilaria do concelho de Armamar.

Em termos de produção, o empresário assegura “capacidade de produzir”, tal como “outros parceiros terão também, porque no país não há falta de matéria prima”.

“Nós podemos fornecer continuamente. Dependerá do tempo que possa durar este problema e esta pressão sobre a oferta do álcool gel, o álcool sanitário, mas, para já, não se prevê que possa existir carência. Basta que nos contactem e que nos solicitem o fornecimento, que nós temos capacidade de resposta, não perfeitamente elástica, mas contínua e consistente”, assegura.

Uma necessidade crítica a que é preciso responder

A Destildouro garante que está a colocar o produto a preços que se praticavam antes crise pandémica e que não mexeram no preço do produto, “cientes de que esta é uma necessidade crítica e faz parte também da responsabilidade de serviço à comunidade”.

Assegurando que não embarcam em processos especulativos, o Maurício Diegues aconselha a que as autoridades façam a rastreabilidade de toda a cadeia logística para fazer chegar o álcool ao consumidor final a preços razoáveis, temendo que “alguns intermediários acabem por utilizar” a posição da Destildouro de “não fazer qualquer tipo de aproveitamento da circunstância para obterem lucros supra normais neste mercado”.

O preço do álcool de origem vitivinícola, segundo o empresário, ronda os 2 euros por litro, precisamente porque na sua elaboração só entram produtos de origem vitivinícola.

“Não temos oportunidade de trabalhar o álcool sanitário, porque o álcool sanitário é um álcool que tem um grau de pureza muito elevado, produzido a partir de outras matérias primas, como seja o cereal ou a beterraba, a matéria prima é muito mais barata”, explica.

Em condições normais, os 2 euros por litro não são competitivos, não permitem ter negócio, ressalvando que estão a “ser convocados para dar resposta a esta circunstância pela excecionalidade da pressão da procura”.

“E isto é preciso ter claro, ou seja, é natural que o preço suba, porque o mercado está a exigir uma resposta supra normal e, para isso, estamos a ir buscar álcool que é produzido a partir de matérias primas substancialmente mais caras do que as matérias primas tipicamente utilizadas para este fim, mas não resulta daí que haja um processo especulativo, tem a ver com as diferenças do preço do provisionamento das matérias primas mas para a produção”, observa o empresário.

Medidas do Governo. Regulam o mercado e aliviam pressão vendedora de vinho

O Ministério da Agricultura declarou, na segunda-feira, ser prioritário o pagamento de apoios à produção de álcool para uso hospitalar e farmacêutico, no âmbito dos pagamentos à desnaturação proveniente dos produtos vinícolas, face à Covid-19, esperando ainda que os destiladores encaminhem os "stocks", estimados em cerca de 500 mil litros, para aumentar a oferta.

Maurício Diegues saúda as medidas considerando-as “oportunas, pelo apoio direto que possa existir para a destilação” porque se estão a ajustar e a reagir. E dá o exemplo da sua empresa que dá trabalho a 34 pessoas e para responder às necessidades perspetiva contratar mais quatro.

Voltando às medidas, o empresário explica que o apoio tem duas dimensões. “Uma delas acaba por servir de regulador do mercado, porque acaba por ser um termo de responsabilidade para os operadores de terem uma estrutura de custos adequada e equilibrada para fornecerem o álcool, mas tem outra dimensão que é o alívio da pressão vendedora de vinho”, concretiza.

Preocupação dos produtores de vinho

O empresário conta à Renascença que os seus clientes, tipicamente produtores de vinho, “estão muito apreensivos sobre o desenrolar da conjuntura porque, com os restaurantes fechados e com o impacto no turismo, que vem de um ciclo virtuoso para praticamente zero, deixou de haver um canal de excelência de escoamentos dos vinhos de produção nacional”.

Maurício Diegues entende ainda que a medida decretada pelo Ministério da Agricultura “pode também passar a incluir o vinho como produto fonte de álcool para fins sanitários, aliviar, de certa forma, a pressão vendedora que pode existir por parte dos produtores de vinho e como elemento regulador do mercado dos vinhos, uma vez que estamos na vicissitude de chegar à próxima campanha vitícola e não existir interesse por parte dos exportadores e dos comerciantes em adquirirem novos lotes de vinho, porque ficaram com a produção do ano anterior em armazém”.

“Isto provoca uma pressão enorme sobre a oferta, desvalorizando o produto, e com um impacto que pode ser muito mau para os produtores de vinho, que não vão conseguir valorizar as suas produções. Por isso, as medidas podem ser interessantes, mas tudo dependerá da amplitude da medida que terá que ser alargada para volumes que ultrapassarão aquilo que está neste contemplado momento”, conclui o empresário de Folgosa do Douro.
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