10 abr, 2020 - 19:44 • José Pedro Frazão
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Helena da Silva é investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e tem estudado de forma extensiva a pandemia de 1918/19, conhecida como "gripe espanhola". No caso português o termo aplicava-se na perfeição, explica a historiadora no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença.
" Foi uma verdadeira gripe espanhola porque o vírus veio de Espanha. Os trabalhadores sazonais que tinham estado em Espanha trazem o vírus ao regressar a Portugal", lembra Helena da Silva que acentua a oposição do então Inspector-Geral da Saúde Pública Ricardo Jorge ao fecho de fronteiras com Espanha. "Ele criticou o facto de Espanha ter fechado a fronteira com Portugal. Deixou claro que esse encerramento de fronteira não tinha objectivos científicos nem médicos. Eram pura e simplesmente objectivos económicos e políticos", acrescenta esta especialista em História da Saúde.
Os primeiros sinais da pandemia eram muito ligeiros. "As pessoas ficavam doentes cerca de três dias e portanto era considerada uma gripe banal, como havia todos os anos. Inicialmente não foram tomadas medidas", revela Helena da Silva no programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
No final do verão de 2018, a Gripe também conhecida como "a Pneumónica" voltou numa segunda vaga com muito mais intensidade. Nessa altura Ricardo Jorge, que tinha sido fortemente criticado quando implementou um cerco sanitário no Porto no surto de peste bubónica em 1899, deu orientações para medidas sanitárias mais fortes mas sem chegar aos limites da crise anterior.
"Não houve propriamente quarentenas ou cordões sanitários forçados", diz Helena da Silva sublinhando que Ricardo Jorge aconselhou sobretudo as pessoas a ficarem mais em casa e evitar ajuntamentos de pessoas. "Ele dizia que as feiras eram locais que deviam ser evitados. Mas os cinemas, os teatros e os restaurantes nunca chegaram a ser encerrados. Chegou a adiar o início do regresso às aulas mas porque precisava de organizar o combate ao vírus", complementa a historiadora que admite que Ricardo Jorge terá aprendido com "as críticas que recebeu do Porto".
Ao mesmo tempo que defendia que a vida económica e social devia continuar, Ricardo Jorge debatia-se com um vírus "bastante mais forte" e as pessoas morriam com problemas respiratórios e pulmonares para os quais, sublinha Helena da Silva, não havia antibióticos e medicamentos que temos hoje.
"O controlo da estrutura hospitalar era sobretudo das Misericórdias. A rede das Santas Casas tinha hospitais em todo o país. Alguns maiores, como o Santo António no Porto, que era o grande hospital do Norte do país. Mas havia localidades no país com hospitais de reduzidas dimensões, com apenas 10 camas. Eram as Misericórdias que tinham o "poder" dos hospitais. Portugal tinha ainda os Hospitais Civis de Lisboa e o Hospital Universitário de Coimbra", adianta a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Helena da Silva acentua que a segunda vaga "inicia-se no Porto e Gaia e sobretudo nos quartéis militares" e revela que o próprio Ricardo Jorge explica que os militares muitos deles regressados da Primeira Guerra Mundial vão espalhar o virus um pouco por todo o país. O que acontece em Portugal é reflexo de um quadro mundial em que pandemia pode ter beneficiado da mobilidade gerada pela retração das tropas em todo o mundo.
"A Guerra permitiu a movimentação de inúmeros homens pelo Planeta. Portugal tinha homens em África e em França que vão depois regressar. A Primeira Guerra Mundial contribuíu para que o vírus se expanda pelo Mundo. As três vagas vão acompanhar o final da Guerra. A segunda vaga vai acompanhar o Armistício e a terceira já acontece no regresso das tropas", explica Helena da Silva descrevendo os impactos faseado da Pneumónica que no nosso país teve uma terceira vaga de muito menor gravidade.
A Pneumónica ou Gripe Espanhola continua a ser estudada em Portugal ao nível dos seus impactos. Os investigadores divergem ainda em relação ao número de vítimas que terá provocado em Portugal. O cruzamento das estimativas de diversos autores aponta para 100 mil a 136 mil mortos. Na estimativa mais elevada, publicada pelo demógrafo Leston Bandeira, a taxa de mortalidade é de 22 por cada mil habitantes, bem acima da registada por exemplo em Espanha entre 1918 e 1920 devido à mesma pandemia, situada em 13 mortos por mil habitantes.