17 abr, 2020 - 18:26 • Luís Aresta
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No dia em que Portugal registou o menor número de novos casos de Covid-19 desde 17 de março, a médica infecciologista do Hospital de São João (HSJ) Margarida Tavares deixa um alerta para o que pode vir aí em maio, com a retoma parcial da atividade económica em todo o país.
"Ainda estamos numa descida inicial, estamos a começar a descer e pode haver aqui alguma instabilidade", adverte a especialista à Renascença.
"Sabendo nós que todas estas condições de afastamento entre as pessoas serão alteradas, porque nenhuma sociedade suporta uma situação destas, teremos de contar com novas variáveis. Isso pode fazer com que algo que estava a decrescer, volte a crescer."
Ao olhar para o relatório da Direção Geral de Saúde (DGS) desta sexta-feira, Margarida Tavares tende a deslovalorizar os 181 novos casos de Covid-19.
"Este número diz-me que há variabilidade diária, que depende não só do vírus, mas sobretudo de fatores humanos" como, por exemplo, "a disponibilidade de testes, dos testes realizados ou da própria apetência das pessoas para irem fazer o teste; basta lembrar que ontem choveu imenso", o que pode ter afastado dos serviços de saúde "pessoas com sintomatologia ligeira", faz notar esta médica do Hospital de São João.
Entrar num hospital sem o novo coronavírus e contrair Covid-19 lá dentro "tem acontecido e outra coisa não seria de esperar", sublinha a infecciologista, quando confrontada pela Renascença com relatos de casos de doentes, e não apenas profissionais de saúde, que contraíram a doença dentro das unidades hospitalares.
Covid-19
Diretora-Geral da Saúde explica que perguntou "ao (...)
Margarida Tavares esclarece, porém, que tal nada tem a ver com picos da epidemia em Portugal. "Quando falamos em picos, aquilo de que estamos a falar é do ponto mais alto de uma onda, interpretada ao nível de uma população em geral e não de determinado hospital."
A médica do HSJ esclarece que "qualquer surto ou epidemia tem um comportamento que tem a ver com o período de incubação, com os tempos de doença e de contagiosidade " varíaveis, a que se chama "dinâmica de transmissão e história natural da infeção, e que levam a que o comportamento seja habitualmente em ondas que atingem um pico, para depois decrescer, seja pelas medidas adotadas, seja pela extinção dos contactos suscetíveis" de contribuir para a propagação da doença.
Na opinião de Margarida Tavares, "se mantivéssemos todas as variáveis atuais, com estes padrões de isolamento e confinamento social, com escolas e empresas fechadas", aí sim, "poderíamos afirmar que o pico da onda já tinha sido ultrapassado em Portugal, incluindo na região norte".
Apesar de na zona abrangida pela Administração Regional de Sáude do Norte se registarem mais óbitos por Covid-19 (377) do que no resto do país (280), e de ser também o Norte que concentra o maior número de casos (11.234 no total de 19.022), a médica infecciologista não vê razões para que o levantamento "lento e progressivo" das medidas de isolamento e confinamento social se faça de forma diferenciada entre regiões.
"Penso que devem ser medidas de âmbito nacional", defende. "Não existem verdadeiras fronteiras; o país é muito pequeno e não acho que deva haver medidas diferentes para o norte e para o sul."
Nesta entrevista à Renascença, Margarida Tavares revela que, apesar de pouco frequentes, no centro hospitalar onde trabalha "há casos de doentes há mais de duas semanas nos cuidados intensivos". A médica destaca, porém, a resposta da maior unidade hospitalar do Norte do país à atual pandemia de Covid-19.
"No máximo, temos tido entre 150 a 180 doentes internados e, apesar do incremento que se verificou durante o mês de março, quando se deu a grande subida exponencial, o número diário de mortes tem sido mais ou menos constante, não tendo aumentado proporcionalmente ao número de internamentos."
Os óbitos que se verificaram até agora no Hospital de São João têm ocorrido dentro e fora dos cuidados intensivos e há motivos para assim ser, explica Margarida Tavares.
"A futilidade e o encarniçamento terapêutico não podem ser aplicados em momento algum. Temos mortes em ambas as situações. Há doentes que não chegam a ir a cuidados intensivos e morrem, porque entubar um doente e ventilá-lo artificialmente, do ponto de vista fisiológico, é de uma exigência incrível para o doente."
A infecciologista sublinha que nos hospitais, e face à forma como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem respondido, não há prazos para salvar ou perder doentes. "Estamos com um mês e meio sobre a chegada dos primeiros doentes e temos casos em que ainda não houve resolução clínica, nem num sentido nem no outro."
Evolução da Covid-19 em Portugal