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O futuro (da sociedade) depois da pandemia

O desconfinamento ou a esperança de um futuro para a geração Covid

29 abr, 2020 - 19:55 • José Manuel Mendes*

Todos os dias, a Renascença convida um especialista de uma área diferente a olhar para o mundo e o país pós-Covid-19. Esta quarta-feira, José Manuel Mendes fala do impacto da pandemia e dos estados de emergência na sociedade, sobretudo nas gerações mais jovens.

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A política pública sanitária de gestão da pandemia Covid-19 em Portugal baseou-se em medidas drásticas e draconianas de confinamento social e de imposição da distância física, que culminou em três períodos de estado de emergência com suspensão de direitos, liberdades e garantias.

O processo de desconfinamento gradual que se iniciará a 4 de maio, com reabertura de algum comércio e da oferta escolar a nível do pré-escolar e, mais tarde, dos 11.º e 12.º anos, revelará as marcas profundas que o processo deixou nas relações intergeracionais e, principalmente, em duas gerações.

A dos mais novos, sobretudo dos 6 aos 16 anos que viverão um longo período nunca antes experimentado de mais de seis meses sem contacto com a escola, as suas sociabilidades, desafios e aprendizagens. E a dos mais velhos que, do rótulo de vulneráveis ao de descartáveis, não conseguem pensar um futuro.

O mais relevante é que esta engenharia social orientada por modelos matemáticos e epidemiológicos pouco claros, transparentes ou partilhados publicamente (ciência tradicional do modelo 1, estilo oráculo), foi toda pautada pela política e cultura do medo, por recomendações sem base científica (porquê dois metros de distância física?), pela imposição de cercas, numa lógica coerciva e sancionatória.

Nesta experiência social o poder político não baseou a gestão da crise na confiança, na responsabilidade, na autoproteção e na solidariedade. O desconfinamento é pautado, assim, por ameaças, por alertas, pela definição possível de zonas verdes e zonas vermelhas, pela vigilância e pelo controle permanentes.

Sem sociabilidades quotidianas de convivialidade, como (re)aprenderão os mais novos o valor da cidadania, da partilha da solidariedade, do sonho e da utopia?

Por último, qual foi a pedagogia para o desconfinamento? Teremos que usar máscara obrigatoriamente nos espaços públicos fechados? Que exemplos vêm das conferências de imprensa diárias das entidades de saúde? Da classe política e dos dirigentes? Que políticas específicas foram delineadas para dar apoio a grupos de risco particularmente afetados pelas consequências das atuais restrições, tais como crianças em situações familiares difíceis ou pessoas expostas à violência doméstica, ou idosos residentes em lares com altas taxas de mortalidade?


*professor de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador no Centro de Estudos Sociais (CES), onde coordena o Observatório do Risco.

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