19 abr, 2020 - 15:25 • José Pedro Frazão
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Manuel Carmo Gomes é um dos peritos académicos que estão a fornecer estudos e estimativas à Direcção-Geral da Saúde (DGS) e a dar informações ao Presidente da República, ao primeiro-Ministro e altas figuras do Estado nas sessões à porta fechada no Infarmed.
No programa da Renascença "Da Capa à Contracapa", o professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa antecipa o que podemos esperar da evolução da pandemia em Portugal com o efeito antecipado do alívio do confinamento geral da população.
"Há uma coisa que é inequívoca. No dia em que começarmos a descomprimir, vamos ter um aumento do número de casos. Não de imediato, mas entre uma semana e 15 dias após o momento em que as pessoas são infetadas. Existe um atraso até que as pessoas tenham sintomas com o período de incubação, que nesta doença dura 5 a 6 dias. Existe ainda um pequeno atraso até sabermos que aquela pessoa teve sintomas", explica o investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa, para quem as medidas de distanciamento social e utilização disseminada de máscaras não travar este aumento.
Pandemia de Covid-19
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Portugal tem uma população muito baixa de imunizados e o vírus circula muito em pessoas assintomáticas -- fatores que levam o perito a associar o "aumento do número médio de contactos por semana das pessoas sem sintomas" à ocorrência de "pequenos surtos" localizados.
"Esperemos que os ressurgimentos sejam localizados, por áreas geográficas e por grupos etários. O crescimento da doença não deverá ser tão rapido como o que observámos em março. Já temos algumas pessoas imunizadas, apesar de serem poucas. Se duplicarem os casos em três ou quatro dias, perderemos rapidamente o controlo da situação. Se começarmos num nível baixo, a duplicação ainda nos permite reagir. Espero que vamos por esse caminho, que desconfinemos com 'passinhos de bebé', um de cada vez e sempre muito vigilantes. E sempre tendo em atenção que aquilo que fizermos hoje aparece só daqui a 7 ou 15 dias", apela um dos epidemiologistas mais escutados pelas autoridades portuguesas.
Manuel Carmo Gomes defende que os testes serológicos serão uma ferramenta muito importante para ajudar a tomar as melhores medidas de reabertura do país, uma vez que permitem estimar a proporção de imunizados contra a Covid-19.
"A partir do momento que possamos fazer estes testes a uma escala geográfica alargada, começamos a perceber quais as regiões do país em que há mais pessoas imunizadas. E também conhecer a realidade por grupo etário. Será que as crianças têm um nível de imunização mais elevado do que os jovens adultos e os idosos? ", questiona este epidemiologista, que acredita que este retrato do país vai ajudar a decidir onde devem ser aligeirados os confinamentos.
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Manuel Carmo Gomes articula a resposta académica a partir da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em rede com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, fornecendo informação ao Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e à Divisão de Epidemiologia e Estatística da DGS.
Estes peritos vão agora fazer cálculos para perceber os impactos de cada medida de alívio de restrições prevista para maio.
"O que temos em mãos neste momento será muito importante nos próximos dias. É a tentativa de modelar e traçar cenários para a saída da situação de confinamento. É absolutamente necessário que tenhamos uma ideia do impacto sobre a incidência da doença, o número de novos casos, a mortalidade que a doença causa e o impacto nos serviços de saúde de qualquer medida de saída do confinamento", revela o epidemiologista que admite que os dados podem ser desagregados por grupos etários, grupos sociais e áreas geográficas.
É também uma luta contra o tempo. Manuel Carmo Gomes admite que estes cálculos são demorados porque a construção dos modelos matemáticos implica uma grande quantidade de informação.
"Por exemplo, temos de saber que impacto isso vai ter a nível hospitalar, ao nível da mortalidade e da ocupação de camas em enfermaria ou em cuidados intensivos. Não estou neste momento em condições para lhe dizer quais as consequências de cada cenário, para saber em concreto o número de camas que vão estar ocupadas ou se vamos ultrapassar o número de camas que constitui a resposta dos cuidados intensivos. Para isso temos de fazer contas rigorosas, que temos agora em mãos", argumenta este professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O perito em epidemiologia desaconselha uma estratégia de alternância constante entre confinamentos e relaxamentos de restrições à medida que o vírus ressurge.
"É difícil compreender que nos mandem estar todos em casa, depois deixam-nos sair e depois voltam a pedir para ficarmos em casa. Espero que as coisas não vão por aí. Preferia apostar naquilo que a União Europeia tem sugerido em linhas gerais: ter um bom sistema de vigilância que permita detetar com rapidez os nosvos casos, isolá-los e fazer o rastreio de contactos. Este é um trabalho extraordinário 'de formiguinha' que tem sido feito pelos nossos delegados de saúde. Temos de ser muito bons a fazer isso", sugere Manuel Carmo Gomes na perspetiva de uma convivência em permanência com o vírus na comunidade.
As vacinas têm um processo demorado de produção, não surgirão antes do próximo ano e a utilização de fármacos utilizados noutras doenças também requer ensaios clínicos aleatórios. O professor da Faculdade de Ciências diz que não existem evidências que permitam apostar num fármaco seguro e muito eficaz para tratar a infeção nos próximos 15 dias.
É também por isso que os especialistas e as autoridades começam a olhar com atenção para a possibilidade de uma segunda vaga da pandemia. Será que se repete a história de há 102 anos quando a chamada "gripe espanhola" teve uma segunda onda mais mortífera que a primeira?
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"Receio que haja a inevitabilidade de uma segunda onda", afirma Manuel Carmo Gomes. Contudo, adianta o especialista, "posicioná-la no tempo é pura especulação, ninguém sabe o suficiente para dizer isso".
Ainda assim, o epidemiologista admite que as probabilidades apontam para uma segunda onda no outono, com base nas características deste novo coronavírus.
"O que os coronavírus que causam as vulgares constipações nos ensinam é que existe uma regularidade sazonal à semelhança da gripe em que há mais casos quando entramos no outono e inverno", explica o perito académico que aconselha a DGS.
"Estou convencido que não vamos ter uma grande onda semelhante à primeira. Não é uma inevitabilidade, de maneira nenhuma", afirma com convicção e na esperança de que não repita o padrão de 1918. "Espero que seja muito mais lenta e que nos permita reagir a um número de casos tão rápido como tivemos em março. Esperemos que estejamos muito melhor preparados do que estávamos", conclui este investigador universitário na Renascença.