01 mai, 2020 - 10:11 • Lusa
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Ensaios clínicos com plasma de sangue de doentes recuperados da Covid-19 vão arrancar, este mês, em 10 unidades distribuídas pelo país, revelou o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST).
Na semana passada, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, anunciara a criação de uma "task force" nacional para realizar um ensaio clínico alargado, para perceber se o uso de plasma humano é seguro no tratamento da infeção pelo novo coronavírus. O IPST já avaliou as capacidades técnicas e logísticas existentes nos serviços de imuno-hemoterapia para a colheita por aférese, um procedimento que permite separar os diferentes componentes do sangue.
“Não só os três Centros de Sangue e Transplantação do IPST - Lisboa, Porto e Coimbra - realizarão esta colheita, como também três serviços de imuno-hemoterapia na região Norte, um na região Centro e três na região Sul”, afirmou a presidente do Conselho Diretivo do IPST, Maria Antónia Escoval, em resposta enviada à Lusa.
Além da identificação destes 10 serviços, o IPST garantiu já ter definido um procedimento e “as diretrizes para a seleção de dadores, colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de plasma convalescente” aos serviços dos hospitais, onde os médicos e as equipas prescritoras terão a responsabilidade da realização dos ensaios.
“Durante o mês de maio proceder-se-á ao recrutamento voluntário de doentes convalescentes e à sensibilização dos mesmos através dos médicos assistentes”, esclareceu Maria Antónia Escoval.
A dirigente acrescentou que, “em simultâneo, um grupo de trabalho, no âmbito do Ministério da Saúde, definirá os critérios mínimos de inclusão e exclusão dos doentes para entrarem em ensaios clínicos”.
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O pneumologista Filipe Froes, membro da "task force" da Direção-Geral da Saúde (DGS), manifestou expectativa de “acrescentar mais uma arma potencialmente útil” ao combate à pandemia do novo coronavírus.
“O que pretendemos é disponibilizar uma terapêutica promissora, enquadrada num contexto de avaliação de eficácia e de toxicidade. Neste momento, só é legítimo fazer estas terapêuticas englobadas em protocolos clínicos e investigacionais que garantam duas premissas essenciais: monitorizar a eficácia comparativamente com não fazer isto e monitorizar a segurança em termos de toxicidade e riscos”, afirmou à Lusa.
Para Filipe Froes, "o ideal será o desenvolvimento de um fármaco específico e o futuro, provavelmente, passará pela vacina". Até isso ser uma possibilidade, "a utilização do plasma será um passo intermédio".
A diretora do Laboratório de Imunologia Clínica no Instituto de Medicina Molecular, Ana Espada de Sousa, explicou à Lusa que o recurso ao plasma de doentes recuperados “nunca será uma terapêutica para todos os doentes”, por ter “objetivos muito específicos” e uma “janela de oportunidade” limitada aos casos moderados ou graves.
“Nas fases muito deterioradas, em que o processo [inflamatório] já esteja muito estabelecido, se calhar já há muitas lesões e não é tão útil. Por isso, são os doentes moderados ou graves e não os extremamente graves [a receber o tratamento com plasma], porque nesses casos poderá já haver uma deterioração de outros processos a contribuir para a doença e que não seja tanto por ação direta do vírus”, observou.
De acordo com a médica imunologista, a recolha de mais dados, neste ensaio alargado, é essencial para determinar que se trata de “uma terapêutica segura e eficiente”. Permite acautelar eventuais complicações e estabeler parâmetros numa relação risco-benefício para os doentes:
“Em alguns casos raros, está descrito que os próprios anticorpos podem agravar o processo inflamatório. Embora seja muito raro, é uma questão que tem de se ter presente. Nos doentes que têm insuficiência respiratória e em que o quadro clínico da Covid-19 é mais grave, associam-se, muitas vezes, processos inflamatórios exagerados, e é esse o risco que pode existir."
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Em Portugal, o arranque do ensaio vai ser feito através de um apelo aos doentes recuperados para a dádiva, embora o IPST tenha admitido que “não é a única” solução disponível. A demonstração de vontade de participação poderá ser feita pela internet.
Questionada sobre a existência de riscos associados à transfusão de plasma convalescente para doentes com Covid-19, como um hipotético aumento do risco de infeção reportado em casos raros no tratamento de outras patologias, a presidente do Conselho Diretivo do IPST vincou que “os benefícios parecem superar os riscos” e que a minimização destes riscos “está associada à seleção dos dadores”.
No lançamento dos ensaios clínicos com plasma anunciados pela DGS, estão, ainda, envolvidos o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e o Infarmed. Questionadas pela Lusa sobre o papel a assumir neste processo, as duas entidades remeteram por agora quaisquer explicações para o IPST, ao qual foi atribuída a coordenação do ensaio.
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