20 mai, 2020 - 15:20 • Maria João Costa
Veja também:
Esta quinta-feira o setor da cultura concentra-se em vigília junto à Assembleia da República. Esta manifestação para alertar para a crise que afeta a cultura acontece numa altura em que o Ministério da Cultura tem a circular uma proposta para a reabertura das salas de espetáculo, marcado para 1 de junho. Entre as regras propostas está a distância entre lugares, reduzindo muito a lotação das salas, o uso de máscaras pelo público e espetáculos sem intervalos. O setor já veio criticar.
Mas vamos por partes. Comecemos por perceber o que propõe o Ministério aos agentes de cultura. Numa sala de espetáculos, as duas primeiras filas devem ficar vazias para garantir o distanciamento entre artistas e público. Também o fosso de orquestra, deverá ficar vazio, o que inviabiliza por exemplo espetáculos de ópera ou alguns de bailado. Também não poderá haver intervalos, para evitar que o público se movimente, exceto se for preciso mudar de cenário e nesse caso, propõe o Ministério do Palácio da Ajuda, o intervalo deve ser reduzido ao mínimo e sem que o público se levante.
Quanto aos lugares, a proposta apresenta dois modelos. Numa das opções “os lugares ocupados deverão ter uma fila de intervalo e pelo menos dois lugares de intervalo entre espetadores que não sejam coabitantes.” A outra opção prevê “pelo menos três lugares de intervalo entre espetadores não coabitantes, sendo que na fila seguinte os lugares ocupados deverão ficar desencontrados”.
O público que deverá higienizar as mãos à entrada, será também obrigado ao uso de máscara dentro das salas e durante o espetáculo ou sessão de cinema. Também as galerias, caso existam, deverão passar a ter lugares sentados mantendo a distância. Já os camarotes são poderão ser usados por “pessoas do mesmo agregado familiar ou coabitantes”.
Este documento do Governo a que a Renascença teve acesso prevê também regras para equipas técnicas e artísticas. Neste caso, é sugerida a realização de testes rápidos à Covid-19, mas a decisão cabe às estruturas. Além da medição da temperatura, sem registo à entrada para o trabalho, as equipas artísticas e técnicas terão também de usar máscaras, viseiras, luvas descartáveis, roupa e calçado de trabalho, proteção de cabelo e gel desinfetante.
As regras propostas pelo Ministério da Cultura vão ao detalhe de como devem ser feitos os ensaios de teatro ou de dança. Neste ultimo caso, o chão das salas de ensaio deve se desinfetadas a cada hora e também no caso do teatro, os ensaios não devem exceder hora e meia de duração.
A Covid-19 levou a que três milhões de portugueses(...)
Por muito ansiosos que os artistas estejam por voltar aos palcos, as novas regras propostas pelo Ministério da Cultura têm gerado um coro de críticas. O Movimento pelos Profissionais das Artes Performativas começa por lamentar que a proposta do executivo lhes tenha chegado pelos media e diz que a proposta é “totalmente inviável, uma vez que o número limitado de espectadores torna a reabertura inviável em termos financeiros”.
A Artemrede, um projeto de cooperação cultural e territorial que, desde 2005, junta 16 municípios do país numa rede de espetáculos, lamenta não ter sido ouvida pelo Ministério sobre a proposta que está em cima da mesa. Em comunicado, sublinha que é "indispensável que exista a possibilidade de todos se pronunciarem" e afirma que "algumas das medidas constantes nestes documentos inviabilizarão a programação cultural em vários pontos do país”.
Sobre a lotação das salas, a estrutura que junta municípios como Oeiras, Almada, Abrantes, Palmela ou Tomar refere que “perante os constrangimentos propostos pela tutela, a rede afirma que o mais sensato seria definir uma percentagem máxima de ocupação e permitir que cada espaço defina o seu modelo, constante do Plano de Contingência e cumprindo sempre as medidas de segurança recomendadas pela Direção-Geral de Saúde".
Sobre espetáculos ao ar livre, a Artemrede afirma que "alguns dos teatros e municípios apresentam regularmente propostas de espetáculos de pequena ou média dimensão para os quais consideramos que as medidas (...) não se adequam e colocam em causa a sua realização. Muitas vezes estes espetáculos são apresentados em praças, jardins ou edifícios patrimoniais e a sua lotação ronda os 30/40 participantes, por vezes famílias. As exigências de ocupação referidas colocam em causa o usufruto dessas propostas artísticas, assim como excluem projetos da mesma dimensão apresentados em percurso, por exemplo".
Outra estrutura que junta artistas, a Plateia - Profissionais Artes Cénicas diz, no Facebook, que “a reabertura não significará a retoma do sector” e aponta que “as medidas apresentadas terão um impacto financeiro muito significativo nos espaços e promotores independentes”. Nas explicações da Plateia, as medidas “acarretam grandes despesas, seja na aquisição de materiais de proteção seja na contratação de pessoal, e levam a uma redução de receitas, uma vez que em muitos casos as regras de limitação de audiências tornam financeiramente e, por vezes, fisicamente, inviável qualquer apresentação”
Também no mesmo tom critico, a diretora artística da Malaposta, Manuela Jorge, diz à Renascença que esta proposta, tal como está torna “inviável” a realização dos espetáculos, por não se conseguir receita de bilheteira que cubra gastos. Recorrendo à rede social Instagram, ontem o músico Fernando Tordo mostrava a imagem de uma sala de espetáculos proposta pelo Ministério com a legenda: “Esta é uma proposta feita por quem não percebe rigorosamente nada do que são as artes, os artistas e o público”. A questão é que há artistas, sobretudo no caso da música que ganham à bilheteira, ou seja, em função da venda de entradas que com este modelo proposto fica muito reduzida.
Do canto lírico, Catarina Molder diz, na sua página de Facebook, quanto a esta proposta do executivo que “não é possível fazer um espetáculo de ópera, mesmo reduzindo efetivo de orquestra e coro ou mesmo apenas com um cantor e piano, logística de palco, som e luz para 20 pessoas de público espalhadas por uma sala ou recinto ao ar livre”. Explica a cantora que “o promotor vai arruinar-se porque será impossível pagar espetáculos com 20 lugares e mesmo esses 20 lugares porventura não serão adquiridos porque existe um lado de comunhão e celebração no ato de se ir a um espetáculo que vai contra este deserto”. No entender da artista, “o público não quererá estar sujeito a esta experiência desoladora e ainda pagar por isso”.