03 jun, 2020 - 13:49 • Olímpia Mairos
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“Oh, freguesa, compre que é barato e bom”. É o pregão mais ouvido na feira semanal de Chaves. Mas os clientes são poucos e são menos ainda os que param para comprar.
“Isto acabou. O povo tem medo, não se vê ninguém. Foi um caos há três meses e vai continuar”, desabafa Arnaldo Pinto, de 49 anos.
A banca de Arnaldo está cheia de meias, panos e toalhas de cozinha, mas o feirante ainda não se estreou e antecipa momentos muito difíceis, porque, diz, “não trabalhando, o pouco que tinha em casa tirou. Tirou e não entrou. Secou o poço”.
“O pior ainda está para vir. Além da Covid-19, vamos ter agora a segunda crise que é a necessidade e a fome que vai haver em Portugal. E as pessoas que dependem da feira e do negócio, os vendedores ambulantes vão passar muita dificuldade, já estão a passar, mas se continua assim, vai haver muita fome”, afirma.
O feirante, que esteve parado durante três meses, descreve momentos de grande angústia e muita dificuldade, revelando que, “se não fosse a ajuda da família, já estava a passar fome”. “Felizmente tenho irmãos e uma sogra que me ajudou na alimentação e na casa, porque, se tivesse que pagar renda, estaria já a passar grandes necessidades”, diz.
Pandemia de Covid-19
A medida, que tem sido reivindicada pelo setor, fo(...)
Arnaldo refere já não paga a luz a água há três meses, porque depende só deste trabalho e esteve parado três meses. Garante que não teve ajudas do Estado.
“Se não fosse a família, estava a passar fome, volto a afirmar. Já não me lembro de comer um peixinho. Só me lembro de comer atum e salsichas e uma massinha. E já é bom”, conta à Renascença.
Mais à frente, novos suspiros e dificuldades semelhantes. Cristina Carvalho, de 55 anos, vende utensílios para a casa. Aguarda a chegada de clientes, sabendo que a retoma da confiança vai ser um processo lento. Já fez as feiras de Montalegre e de Boticas e os clientes “contaram-se pelos dedos das mãos”.
“As pessoas estão atemorizadas, vêm espaçadamente, uma agora e outra depois, mas sempre vamos ganhando alguma coisa, para termos cinco euros para comprar um pão”, conta.
Cristina afirma que o tempo de paragem “foi mesmo para rebentar”, sublinhando que a ajuda da segurança social “não chegou para nada, quase não deu para a luz, quanto mais para comer e para o resto”. “Se a gente não tivesse família para ajudar, não se conseguia sobreviver e ainda por cima com filhos a estudar. A vida foi muito complicada”, desabafa.
Também Maria Gorete, de 60 anos, que vende vestuário, descreve tempos de dificuldade e privação. “Foi complicado de mais para a gente pagar as nossas coisas. Deixei de pagar a renda, a luz e a água para ficar com alguma coisa para comer e mal”, afirma, acrescentando que “foi um grande sofrimento estar sem trabalhar e com as coisas para pagar”.
Maria Gorete está ciente de que “vai ser difícil” e “vai demorar muito tempo a voltar ao tempo normal, porque as pessoas têm medo” e dá o exemplo das feiras que já fez em Vila real e Lamego para afirmar que chegou a casa com apenas 50 euros. “Não deu para a despesa do gasóleo e para comer levamos alguma coisita de casa”, conclui.
Ana Duarte, de 45 anos, vende artigos de chapelaria e as perspetivas para o futuro estão longe de ser risonhas, porque constata que “as pessoas têm medo de andar nas feiras, têm medo de andar nas ruas”.
Quando as feiras encerraram, Ana Duarte, como a grande maioria dos feirantes, estava a “despachar o material de inverno” que teve que ficar em armazém e agora tem medo de “meter o material de verão”, porque não sabe “quanto isto vai durar”.
“Num momento qualquer podemos ir novamente para casa. Estamos a ver o que se está a passar em Lisboa. Com a vinda do pessoal e com as universidades abertas, não sei, vamos ver! Permanece o receio. E nestes próximos tempos vai continuar a permanecer”, antecipa.
Na feira semanal de Chaves as regras agora são outras, devido à pandemia de Covid-19. O uso de máscara é obrigatório, para feirantes e para quem vai comprar, assim como o distanciamento físico de, pelo menos, dois metros, assim como a formação de filas de espera nos locais de venda.
A autarquia procedeu à respetiva sinalética de orientação. A entrada e a saída são feitas por locais distintos, de forma a evitar que as pessoas se cruzem. As tendas e bancas estão mais distantes umas das outras e são obrigadas a disponibilizar solução antisséptica de base alcoólica. O manuseamento dos produtos deve ser feito apenas pelos feirantes e seus colaboradores e a permanência no recinto da feira deve restringir-se apenas ao tempo estritamente necessário para a aquisição de bens.
Maria de Sousa, de 36 anos, de máscara no rosto olha à distância para a tenda onde se vende calçado. “Preciso de umas sandálias para esta época do ano e aqui é tudo mais barato. Além disso, é mais seguro comprar ao ar livre do que ir a uma loja”, diz à Renascença.
Maria não toca em nada. Pede ao feirante para lhe mostrar umas sandálias vermelhas, número 37, que estão em exposição. Depois de experimentar, acaba por comprar. Pagou 35 euros em dinheiro e foi convidada a desinfetar as mãos antes de ir embora.
Também Paula Cristina, de 42 anos, anda na feira à procura de “umas camisolas para o verão” e destaca a “boa organização e segurança do recinto”. “Se nós cumprirmos, vai ser bom para toda a gente. E estas pessoas também precisam de ganhar a vida”, diz.
Já Antónia Alves, de 72 anos, confessa que lhe custa muito “andar de máscara”. Veio à feira “comprar uma calças de trabalho” para o marido, porque, sublinha, “nas lojas não há e ele estava mesmo a precisar para o campo”.
“Já as levo aqui no saco e agora vou-me a correr embora, porque já não aguento esta coisa na cara”, diz em passo apressado.
Uns metros mais acima, na zona das ferragens, Paulo Silva, de 55 anos, assegura não ter qualquer receio. Veio comprar uma enxada para os seus trabalhos de jardinagem e, além da máscara no rosto, trouxe “luvas e gel”. “Não custa nada. É uma questão de hábito. Temos todos que nos mentalizar que depende de cada um continuarmos a manter o concelho limpo da doença”, conclui.
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