11 jun, 2020 - 11:15 • José Pedro Frazão
Filipa Calvão dirige a Comissão Nacional de Proteção de Dados e tem colocado reservas sucessivas a algumas medidas tomadas em contexto de pandemia. "Algumas tecnologias que estamos a utilizar foram adotadas por alguns Estados orientais, nomeadamente pela China”, sublinha.
Na Renascença, a jurista defende que as soluções tecnológicas consideradas eficientes e eficazes devem sempre acautelar valores fundamentais das pessoas, mesmo que isso implique descer um degrau na resposta técnica da aplicação.
"Quando temos que andar na rua com um QR CODE com dados de saúde para sermos aceites socialmente, não estamos a viver com dignidade", argumenta Filipa Calvão a propósito das aplicações de rastreio da Covid-19 que estão a ser desenvolvidas e mesmo implementadas nalguns países.
"Algumas tecnologias que estamos a utilizar foram adotadas por alguns Estados orientais, nomeadamente pela China. A reação em dezembro e janeiro era que ‘isto só na China, na Europa seria inadmissível’. Na Europa, temos as mesmas tecnologias a serem promovidas de uma forma positiva. Sabemos qual é o efeito”, avisa.
“Não me venham dizer que os responsáveis pelos dados pessoais nas organizações que estão a usar estas aplicações não sabem qual é o efeito. Sabem, sabem. Fazem de conta que não têm noção do impacto que têm sobre as pessoas. Mas têm obrigação de saber ", afirmava Filipa Calvão em conversa com João Taborda da Gama numa conversa moderada por José Pedro Frazão, no podcast Adiante, emitido a 22 de maio.
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“A pandemia acelerou a adaptação de soluções tecnológicas ao novo contexto. Com a ânsia de dar uma resposta imediata, invocando a necessidade e a urgência, mergulha-se nestas soluções tecnológicas sem se perceber exatamente o que estão a fazer”, sublinhava a mulher que preside ao regulador da proteção de dados em Portugal.
“Isto é a má aplicação do registo europeu de proteção de dados, que já existe e não há razão para não se aplicar”, acrescentava.
Filipa Calvão diz que tem que haver tempo para fazer o estudo do impacto das tecnologias que se criam e que se adquirem.
“Quando se vai fazer uma barragem não se constrói primeiro e depois faz-se a avaliação de impacto ambiental. Na tecnologia, o problema que está a acontecer neste momento é a utilização de software já antes criado ou construído agora à pressa sem se fazer o estudo de impacto”, complementava a presidente da CNPD.
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Uma vez aberta uma porta, em tecnologia é sempre difícil fechá-la. É este raciocínio que torna o regulador de proteção de dados numa entidade especialmente restritiva na avaliação das soluções técnicas.
“A linha é procurar sempre soluções. Pode não ser suficientemente acautelador pela forma como seja desenhada. O importante é exigirmos que se encontrem soluções que sejam o menos restritivas possíveis. Haverá casos em que ainda assim o valor do ‘lado de lá’ a justificar a recolha dos dados não vale essa restrição”, afirma Filipa Calvão, abrindo caminho à reflexão sobre as condições em que está a ser feito o ensino à distância”.
Provavelmente, há aqui soluções que vêm para ficar. Haverá uma série de circunstâncias no futuro que não exigiriam um ensino à distância e que vão passar a ser assim. Porque já se criou, abriu-se esta possibilidade e pode-se facilitar esta interação com os alunos por tecnologias à distância. Não vejo isso mal. Acho que é preciso fixar as tais garantias de segurança dos dados e de que não reutilizados para outros fins. Esse é também o problema de criar constantes bases de dados, em entidades públicas ou privadas. E depois, já que elas existem, porque não reutilizá-las para outras coisas?”, sustenta a jurista que preside à Comissão de Proteção de Dados.