19 jun, 2020 - 13:28 • Rosário Silva
É o sítio arqueológico mais importante da cidade de Évora, dizem os especialistas. As Termas Romanas foram descobertas no inicio dos anos 90 do séc. XX, aquando das escavações arqueológicas na parte mais antiga do edifício da Câmara Municipal, no coração da cidade.
Composto por três áreas - Laconicum, Natatio e Praefurnium -, o espaço atribuído às termas volta a ser alvo de uma campanha de escavações, sob a direção cientifica de técnicos municipais e da Direção Regional de Cultura do Alentejo, para além da colaboração dos alunos da licenciatura de Arqueologia da Universidade de Évora.
Os resultados, ainda preliminares, fazem crescer o entusiasmo dos especialistas, que querem mostrar à cidade, o mais brevemente possível, um soberbo monumento, do ponto de vista histórico e arqueológico.
A Renascença conversou com dois dos responsáveis municipais pela operação: o arquiteto Ricardo Sarmento e o arqueólogo José Rui Santos.
O José Rui Santos é o arqueólogo que coordena mais uma campanha de escavações arqueológicas. O que temos aqui?
Bem, isto é, o culminar de um projeto que teve inicio em 1989, aquando da descoberta do Laconicum (banhos quentes). Nessa altura, o edifício da Câmara entrou em obras para se construir um bar e, por acaso, encontrou-se esta peça de singular importância, que é o ex-libris dos banhos públicos romanos da cidade de Évora. Integrado num projeto mais vasto de requalificação das termas, cujo objetivo final é musealizar, tornar o espaço visitável de uma forma dinâmica, foi decidido realizar uma escavação arqueológica de larga escala. Desde os anos 90 que tudo estava parado e decidimos recomeçar a escavação, mas, agora, para a totalidade do espaço. Isto, só por si, revolucionou a forma como nós podemos ver, agora, as termas.
De que forma?
Olhe, descobrimos uma nova sala, descobrimos várias peças arquitetónicas de grande importância, também um espólio móvel considerável, digamos assim, algumas peças com interesse singular e tivemos, nós próprios, grandes surpresas. Onde pensávamos estar o chão, encontramos silharia e encontramos estratigrafia, através da qual, conseguimos obter melhores respostas sobre a forma como funcionou este espaço. Olhamos para ele de forma pluri-cronológica e não apenas como termas romanas.
É um espaço que foi fundado pelos romanos, no séc. I e que, em determinado momento, ainda estamos a averiguar, mas pensamos que no século IV, foi votado ao abandono, ainda que possa ter sido utilizado por outras gentes. Sabemos, por exemplo, que há uma torre que encaixa por cima do Laconicum, há estratigrafia que nos consegue mostrar os séculos de ocupação islâmica da cidade, portanto, estamos a falar de uma cultura mais ou menos exótica que aqui chega no século VIII, e sabemos isso devido às escavações passadas, com a descoberta da Natatio, a grande piscina ao ar livre, através de uma enorme camada estratigráfica de peças islâmicas.
Neste momento, o que se está, exatamente, a fazer?
Para já, estamos na fase de terminar a escavação e a preparar uma ação de consolidação das próprias estruturas. Isto acontecerá, provavelmente, através de adjudicação que o município de Évora fará no exterior.
É um trabalho muito importante para garantir a solidez das estruturas, na perspetiva futura da musealização. Por outro lado, estamos também a fazer o estudo arquitetónico de todo o espaço, para podermos apresentar certezas, quer académicas, quer cientificas, sobre tudo aquilo que aqui encontramos e, assim, canalizar essa informação para o grande publico, numa fase posterior.
É uma fase de interpretação, de discussão, e pensamos também efetuar a recriação em 3D, além do o estudo do espólio móvel e da estratigrafia. Creio que será feito, também, em colaboração com a Universidade de Évora, um estudo arqueométrico, para conseguirmos retirar o máximo de informação sobre diferentes temas. Por exemplo, sobre as camadas de cinza que encontrámos na zona do Praefurnium (espaço onde se queimaria a lenha para os banhos), dando-nos a possibilidade de as datar e perceber o tipo de material que aqui era queimado. Já que falei na Universidade de Évora, aproveito para dizer que esta intervenção arqueológica teve a colaboração, muito importante, dos seus alunos que um dia, vão enveredar pela arqueologia.
Já que falou nesse estudo arquitetónico, pergunto agora ao arquiteto Ricardo Sarmento que estudo é este e o que já é possível avançar?
Então, enquanto se vai fazendo a escavação do local, faz-se, em simultâneo, a interpretação e a análise daquilo que está a ser encontrado. Posso dizer-lhe que fizemos três grandes descobertas e que mudam três campos do estudo desta escavação.
O primeiro, é a cronologia. Pensava-se que este edifício tinha sido fundado apenas no século II, mas encontramos um conjunto de silhares almofadados que nos dá a certeza absoluta que foi fundado no inicio do século I, para além de uma série de alterações de diferentes fases construtivas dentro do período romano, que este edifício teve.
O segundo campo, é ao nível da planta e da organização que o edifício tinha. A sua dimensão, permite-nos ter uma abordagem muito diferente daquilo que eram as termas ao nível de organização espacial, de como funcionava e, como tal, é uma função muito importante.
Quanto ao terceiro campo prende-se com a dimensão e a função que certas zonas tinham. A terceira grande descoberta desta intervenção, é um conjunto de arcadas que faziam a estrutura em pórtico de uma dimensão monumental, revelando que este edifício teve uma nobreza e proporção muito além do que se estava à espera, inclusive, para uma cidade da dimensão que Évora teria. É esse trabalho que temos estado a desenvolver.
Ricardo, é um trabalho que acompanha desde o inicio, seguramente, com um nível de aprendizagem muito elevado?
Tenho aprendido imenso, quer com a parte da escavação, quer com a parte da análise. É uma grande aprendizagem, pois nunca sabemos o que vamos descobrir no metro a seguir. Desde que começamos, a interpretação que tínhamos, até à fase em que estamos agora, já houve muitas alterações. Descobrimos algo, pensávamos que era de uma forma, mas depois apareceu um novo objeto e mudou tudo, ou então reforçou aquilo que já tínhamos. É desafiante, pois quase todos os dias temos que repensar a interpretação que já existia, além de que nos permite ir solidificando o conhecimento, para podermos chegar ao final com resultados concretos. Não iremos conseguir ter todas as respostas, naturalmente, mas já temos um conjunto de informações com um grande grau de certeza que iremos divulgar no futuro.
José Rui, imagino que a sua experiência seja, também, de constante aprendizagem...
Somos uns privilegiados, pois somos os primeiros a ter acesso a contextos que estão selados há dois mil anos, aproximadamente. É uma experiencia incrível e aprende-se muito. Uma coisa é a historia escrita, teórica, outra coisa é a prática arqueológica. Nós, aqui, percebemos como as coisas funcionam, as dinâmicas comerciais que, por exemplo, os espólios nos transmitem, como as gentes viviam, os seus hábitos, o que é, de fato, muito, muito interessante.
E tudo para se chegar à musealização?
Sim, será a fase final de um projeto, um museu, que queremos dinâmico e consiga trazer muito publico. Pessoalmente, como arqueólogo, gostava que fosse possível ter tudo isto concretizada já em janeiro de 2021, mas tudo depende do município. A câmara, como sabe, está a passar dificuldades, como todas as outras, também por causa da situação de pandemia. Vamos ver o que é possível, dentro deste cenário.
E a cidade, o que ganha por ter este espaço à sua guarda e que vai ficar visível, quando tudo isto terminar?
Este é o sitio arqueológico mais importante da cidade de Évora. Uma cidade que é de sua génese, romana, valorizar os banhos públicos, um edifício público de grande importância em época romana, é um convite a que o turista nos visite, mas também para o cidadão eborense compreender a sua história e perceber como os romanos se organizavam. A importância da higiene, do convívio, os hábitos, tudo o que aqui era feito é, de fato, é muito importante.
Ricardo Sarmento, para finalizar a nossa conversa, o que é que tudo isto nos diz, para já, sobre a arquitetura da cidade de Évora de há dois mil anos?
Revela, por exemplo, a dimensão que este edifício tinha, e que é muito superior áquilo que se pensava para a época. Ou seja, em termos de área, de edifício que ocupava na parte urbana da cidade, não temos nada que diga que fosse maior ou menor do que aquilo que se pensava, agora ao nível da dimensão do edifício, da sua nobreza, é muito superior à ideia que se tinha e, como tal, revela um grau de importância muito relevante.
Nos dias de hoje, encontramos indícios dessa nobreza e importância que fala?
Para além dos indícios mais visíveis, como o Templo Romano, a muralha ou outros pequenos achados, em relação às termas já não há grandes prenúncios, pois Évora é uma cidade que tem estado sempre ocupada, o que para bem ou para mal, vai fazendo as suas alterações. Neste caso, temos a sorte desta estrutura estar a dois metros do nível do solo, o que permitiu, apesar de tudo, conservar até relativamente bem, as fundações e a planta que este edifício teria.
Temos aqui, Ricardo, uma Évora escondida, para redescobrir?
Sem duvida nenhuma. Posso até dar-lhe a informação de que para além da parte que nós escavamos, certos elementos que já estavam à vista, totalmente descobertos, ao olharmos para eles de outra forma, ao tirarmos medidas, ao fazermos comparações, percebemos que, afinal, eram outra coisa. Por isso, isto é um trabalho contínuo, cheio de desafios e descobertas surpreendentes. A fase da musealização será o corolário de todo este trabalho. A cidade merece, as pessoas da cidade merecem e o que aqui temos é de uma enorme dimensão e tem de ser dado a conhecer. Esperemos que seja para breve.