24 jun, 2020 - 19:40
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Os cuidadores informais pedem medidas de legislação laboral que os protejam da desproteção social e desemprego em que a pandemia os colocou, sugerindo a criação de um grupo de trabalho que junte saúde, segurança social e associações.
Nélida Aguiar, porta-voz da Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) disse esta quarta-feira, à saída da audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, em Lisboa, que o número de 800 mil cuidadores informais, dos quais 240 mil a tempo inteiro, segundo estimativas da associação, “aumentou drasticamente” devido à pandemia de covid-19, levando ainda a que muitos que eram até agora cuidadores a tempo parcial o tivessem passado a ser a tempo inteiro.
O desemprego e a perda de rendimentos são as consequências diretas da dedicação exclusiva à função de cuidador, exponenciada pelo fecho de respostas sociais como centros de atividades ocupacionais para pessoas com deficiência ou centros de dia para idosos, pelo que a ANCI pediu hoje a intervenção do Presidente da República no sentido de garantir a tomada de medidas, que passem pela alteração da legislação laboral, entre outras.
Uma das sugestões da associação é garantir aos cuidadores os mesmos direitos garantidos aos pais de crianças até 12 anos no período de emergência, a qual foi incluída num dossier de propostas que Marcelo Rebelo de Sousa se prontificou a fazer chegar “oportunamente” à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.
“Demonstrámos ao senhor Presidente toda a nossa preocupação, que de alguma forma fossem criadas medidas, porque ainda estamos a tempo de o fazer, medidas excecionais de apoio a todos os cuidadores informais. Houve falta no apoio da própria legislação laboral, porque muitos deles tiveram que deixar os seus empregos para prestar cuidados. Era esta a nossa principal preocupação de passar esta informação ao Presidente”, disse Nélida Aguiar.
Disse que a “única medida em concreto” aplicável aos cuidadores informais no contexto da pandemia, a da justificação de faltas perante a entidade patronal, tem um alcance limitado na resolução do problema, uma vez que a justificação por si só não impede a perda de rendimento, recordando ainda que o país esteve em estado de emergência durante 45 dias, bastante acima dos 22 dias de férias, no mínimo, praticados em Portugal.
Perante o que considera uma insuficiência nos apoios, a ANCI sugeriu a criação de um grupo de trabalho que promova “um intercâmbio” entre os setores da saúde e da segurança social e que assegure a participação na discussão das medidas das diferentes associações que existam nesta área, considerando que a articulação seria “uma mais-valia”.
Aproveitaram ainda a oportunidade para manifestar preocupações relativas ao estatuto do cuidador informal, para o qual pedem uma regulamentação, a correção de falhas, preocupações extensíveis à portaria que regulamenta os projetos-piloto, anunciados para este mês pela ministra da tutela, depois de um adiamento em abril provocado pela pandemia, e que têm suscitado inúmeros contactos para a ANCI, que declarou hoje a sua incapacidade para dar resposta, desde logo porque não as obtém da ministra.
“Tivemos já alguns contactos, inclusivamente com a senhora ministra, mas a verdade é que até ao momento as respostas são de alguma forma subtis e omissas em grandes fatores que precisamos efetivamente de resposta”, disse Nélida Aguiar.
Com os processos de candidatura a decorrer para os projetos-piloto, há muitos cuidadores informais que pedem ajuda à associação para esse processo e para perceber que tipo de ajuda “pode advir daí”.
Um dos exemplos dados é o das juntas médicas, com Nélida Aguiar a questionar como é que serão feitas as juntas médicas exigidas, sobretudo para quem as tem de fazer pela primeira vez, “havendo uma derrogação das juntas médicas até ao final do ano”, o que “também irá adiar, de alguma forma, estas respostas”.
“Muitas destas medidas são altamente limitantes”, disse a porta-voz da ANCI.
“Ter que exigir um atestado de capacidade física para um cuidador informal, quando na realidade sabemos que temos doentes oncológicos a tratar de pessoas com deficiência, temos pessoas idosas a tratar de outras pessoas. Há aqui uma série de coisas que gostaríamos que fossem corrigidas e que com a questão da pandemia fossem de alguma forma acertadas e que ainda estamos em tempo de o fazer e melhorar a qualidade dos cuidadores”, disse.
O arranque dos projetos-piloto em 30 concelhos, inicialmente previsto para 01 de abril, mas adiado devido à pandemia, implicava medidas de apoio, incluindo a atribuição de "profissionais de referência, da área da Saúde e da Segurança Social, que farão um plano de intervenção que irá incluir medidas de acompanhamento, aconselhamento, capacitação e formação para o cuidador", segundo o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
No âmbito destes projetos-piloto, os cuidadores informais principais terão acesso a um novo subsídio de apoio específico, que tem o valor de referência de 438,81 euros e será variável em função dos rendimentos.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 477 mil mortos, incluindo 1.543 em Portugal.