20 jul, 2020 - 19:12 • Redação
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, determinou esta segunda-feira à Inspeção Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito "para o apuramento dos factos relacionados com a atuação da Guarda Nacional Republicana e dos agentes de Proteção Civil no terreno" no incêndio que no passado fim-de-semana atingiu dois canis na Serra da Agrela, em Santo Tirso, e provocou a morte a pelo menos 54 animais.
Logo no domingo, a GNR esclareceu que a morte dos animais no incêndio em Santo Tirso não se deveu ao facto de ter impedido o acesso ao local de populares, mas à dimensão do fogo e à quantidade de animais. “Enquanto o incêndio deflagrava, ainda durante a tarde [de sábado], a ação da GNR foi essencial para permitir que tivessem sido resgatados, com vida, a maior parte dos cães", esclareceu.
Os dois abrigos de Santo Tirso eram ilegais e já tinham sido alvo de “contraordenações e vistorias” de “várias entidades fiscalizadoras”, revelou esta segunda-feira o Ministério da Agricultura. Os mesmos abrigos já tinham sido alvo de uma queixa em 2018, que foi arquivada por o Ministério Público entender que animais com lixo não é crime.
Uma denúncia por parte de populares por “uma situação de insalubridade, ameaça à saúde pública e mais grave ainda, de maus tratos e negligência a animais indefesos" seguiu para Tribunal. O Ministério Público arquivou o processo considerando "não haver crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejetos e mau cheiro", segundo o despacho.
Entretanto, o PAN já apresentou, em consequência do incêndio, queixa ao Ministério Público por “crime contra animais de companhia” e pedirá esclarecimentos ao ministro da Administração Interna sobre a morte de dezenas de animais na sequência do incêndio.
Entrevista pela Renascença, a penalista Conceição Valdágua considera que tanto a dona do canil de Santo Tirso como as autoridades cometeram crime de maus tratos contra animais de companhia. Por isso, a queixa crime apresentada pelo PAN é contra os dois.
A professora de Direito Penal explica que está em causa um crime por omissão. No caso da proprietária do canil, ela “tinha o dever de agir e libertar os animais para eles poderem fugir do fogo" e, ao não fazê-lo, "é autora de crime de maus tratos contra animais de companhia”. "A lei confere à proprietária do canil um dever especial de garante pela não produção do dano”, sublinha.
Na opinião da penalista, que é também uma ativista dos direitos dos animais, não é só a detentora do abrigo que incorre na prática do crime de maus tratos contra animais de companhia. “As autoridades têm a mesma responsabilidade que a proprietária”, assegura. Valdágua afirma que “a GNR tem um dever jurídico de atuar, são os seus próprios Estatutos que lho exigem”. Mas também o Código de Processo Penal que “lhe impõe que atue em caso de flagrante delito para impedir ou suspender o crime”. E não precisam de qualquer mandato judicial. “A GNR devia ter detido imediatamente a proprietária do canil. E libertado os animais”, afirma a professora de Direito Penal.
“Só a ignorância da lei pode explicar o comportamento da GNR”, defende Conceição Valdágua. “Se alguém estivesse a bater num animal, seguramente os agentes agiriam. E não percebem que ao não fazerem nada para evitar um dano estão a cometer crime.”
A penalista explica “como os crimes por omissão não se veem, os agentes da GNR não conseguem perceber que se está a ser cometido um crime .Para mim esta é a única explicação que encontro. Porque a ser outra a razão, então seria muito mais grave”.
O Bloco de Esquerda já anunciou que quer explicações dos ministros da Administração Interna e da Agricultura no parlamento, bem como da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária sobre a situação.
À esquerda, também o PCP fez esta segunda-feira 13 perguntas ao Governo a pedir explicações exaustivas sobre o que se passou em dois abrigos em Santo Tirso. Numa pergunta ao Ministério da Agricultura e Mar, entregue no parlamento, a bancada comunista faz, na prática, 13 perguntas, incluindo que conhecimento tinham as autoridades do que se passava nos dois abrigos ou ainda se, “de futuro”, o Governo irá fiscalizar estas instalações.
“Esta situação está a gerar natural indignação e impõe-se que sejam prestados esclarecimentos e apuradas responsabilidades”, lê-se no texto da pergunta assinada por Alma Rivera, Diana Ferreira e João Dias.
Também a associação "Animal" solicitou ao Governo e ao parlamento que sejam apuradas responsabilidades no caso das mortes de animais naquele abrigo particular em Santo Tirso.
Uma petição a pedir “justiça pela falta de prestação de auxílio aos animais do canil 'Cantinho das Quatro Patas' em Santo Tirso” já reuniu mais de 130 mil assinaturas.
Os 190 animais entretanto recolhidos com vida foram acolhidos em canis municipais, associações e por particulares.