28 jul, 2020 - 08:02 • Liliana Carona
“Sou sozinha, não tenho suporte familiar”, conta Catarina, uma das mulheres que recorre à Cáritas Diocesana de Viseu para suprir as dificuldades que a pandemia de Covid-19 veio aumentar. Esta mulher vive sozinha com quatro filhos e cem euros por mês.
A instituição admite estar a passar por “um momento muito difícil”. Os pedidos de ajuda, comparativamente com o período homólogo de maio/junho, aumentaram 75%.
O “lay-off”, o desemprego, problemas de saúde fazem com que, atualmente, 1.683 pessoas sejam ajudadas todos os dias por esta Cáritas Diocesana. A grande parte dos pedidos (80%) que chegam ao atendimento são mulheres.
“Ficaram completamente desprotegidas nesta situação da Covid-19. Tendo trabalhos precários e não havendo contrato de trabalho, foram as primeiras a ficar desprotegidas”, explica a diretora técnica da Cáritas Diocesana de Viseu, Manuela Alberto.
À instituição pedem, acima de tudo, alimentos e fraldas para os filhos.
É o caso de Catarina. Chega à Cáritas de Viseu com pressa. Tem em casa quatro filhos – rapazes menores com 15, 9, 4 anos e ainda o mais novo, com 5 meses. E não tem retaguarda familiar.
Aos 32 anos, vive sozinha com as crianças, depois de um casamento em que foi vítima de violência doméstica.
“Sou sozinha, não tenho suporte familiar, não estou junta, mas mesmo assim ele [ex-marido] faz-me a vida num inferno”, revela.
“Sofri violência doméstica durante 11 anos, não tinha onde pedir ajuda se não aqui, na Cáritas”, garante, confidenciando ainda o modo como reagiu a família quando contou que ia deixar o casamento para trás.
“Quando contei em casa da minha família, só ouvi: ‘eu também apanhei e aguentei’”.
Catarina não tem emprego. “Tem feito formações profissionais, mas na sequência da Covid-19 foram suspensas e só agora recomeçam”, explica a diretora técnica da Cáritas Diocesana de Viseu.
Recebe o Rendimento Social de Inserção (RSI) no valor de 400 euros. “Depois de pagar as contas e o T3, de renda de 300 euros”, sobram-lhe menos de 100.
“Como é que a D. Catarina pode viver com 100€?”, questiona Manuela Alberto.
O sonho desta mulher era “trabalhar num restaurante. Sempre adorei cozinha”. Mas também gostaria de fazer “limpezas”. No fundo, “trabalho honesto e ter uma vida mais ou menos”, sorri.
Aos 52 anos, Fernando é o caso raro de homens que chegam à Cáritas Diocesana de Viseu.
A exceção é justificada pela doença da mulher, que não se consegue deslocar ao atendimento da Cáritas, na avenida Alexandre Herculano. É doente oncológica e os medicamentos que tem de comprar são pagos pela Cáritas, depois de ter as receitas da farmácia à vista. É Fernando que os vai pedir.
Mas há mais. Fernando tinha um contrato com o fundo de desemprego de Tondela para ir para uma quinta de vinhas, mas, também por causa da pandemia, voltou ao subsídio de desemprego de 430€.
“Fiquei sem transportes, perdi o contrato”, lamenta em declarações à Renascença, debaixo da compreensão de Manuela Alberto.
“Neste rendimento, 56 euros são para medicação”, acrescenta a diretora técnica. “Se nós não apoiarmos, vai falhar noutras necessidades do agregado”, explica.
Foi a partir de março que o presidente da Cáritas Diocesana de Viseu, Monteiro Marques, começou a verificar um aumento dos pedidos de ajuda. Mas o “pior foi nos meses de maio e junho. Foi muito a sério”.
“Em 2019, tínhamos nesse período 403 atendimentos e, em 2020, 764. Num universo de 305 famílias em 2019, passámos para 541 famílias em 2020. No ano passado, em maio/junho, tínhamos 957 pessoas e este ano temos 1.683 pessoas a serem ajudadas – ou seja, um aumento de 75% nos pedidos de ajuda”, revela sem papas na língua.
Monteiro Marques destaca a interação “com 20 Cáritas paroquiais da diocese de Viseu, onde as comunidades brasileiras, angolanas e ucranianas têm surgido com mais frequência a pedir ajuda.
“Vêm fruto do ‘lay-off’, do desemprego, dos problemas de saúde, das idas ao médico… até estudantes ajudamos”, sublinha.
Os números não param de crescer e o presidente da Cáritas Diocesana de Viseu, há seis anos no cargo, não esconde as dificuldades.
“Temos duas fontes importantes de rendimento: a Semana Cáritas e os peditórios das missas. Não tivemos nem uma nem outra. Zero. Sobrevivemos, por isso, dos donativos”, lamenta.
O responsável adianta, a propósito, que, para fazer donativos através do “pagamento de serviços” (no multibanco ou no “homebanking”) todos os campos – referência e entidade – são preenchidos com o número 7.
Mas “através do site da Cáritas Diocesana de Viseu também podem ajudar”, acrescenta em jeito de apelo.
“Temos pessoas que vêm ter connosco, que já contribuíram para a Cáritas e que nunca lhes passou pela cabeça virem pedir. Eu próprio já não sei, se de um momento para o outro, também não vou precisar”, admite Monteiro Marques, concluindo que o mais importante é que “quem venha à Cáritas saia de cá, pelo menos, com o seu problema parcialmente resolvido”.
Para o presidente da Cáritas Diocesana de Viseu, a experiência dos incêndios de outubro de 2017, ensinou-se lhe que é sempre possível ajudar.
“Os incêndios alteraram a nossa vida, mas se me dissessem que íamos ter necessidade de 500 mil euros para resolver os 45 casos mais urgentes, eu não acreditaria e ultrapassou-se. Temos fé”, afirma, apelando mais uma vez aos donativos.
“Quem tiver hipótese, passe por aqui. Passamos por um momento difícil, estamos na avenida Alexandre Herculano e, se tiver hipótese de ajudar, nós canalizaremos para quem mais precisa”, apela.