28 jul, 2020 - 23:59 • Filipe d'Avillez
Portugal tem registado grandes avanços no combate ao abandono escolar precoce, mas continua a lidar com "deficiências e insuficiências" no "controlo de matrículas e de frequência na escolaridade obrigatória", aponta o Tribunal de Contas num relatório divulgado esta quarta-feira.
Numa auditoria ao abandono escolar precoce, o TC identificou que o próprio conceito de abandono "não está consolidado" em Portugal, o que compromete o registo e "a fiabilidade e a comparabilidade da informação que circula" sobre o fenómeno. A par disso, os indicadores disponíveis para medir o abandono escolar "não são adequados" para o efeito, é apontado no relatório.
"De facto, nem o indicador internacional, o do INE [Instituto Nacional de Estatística], que incide nos jovens dos 18 aos 24 anos [...], nem a Taxa de Retenção e Desistência, calculada pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência [...], são adequados para medir o Abandono", indica o Tribunal de Contas.
Na auditoria foi ainda apurado que os dados disponíveis apenas dizem respeito ao continente, deixando de fora as regiões autónomas, o que impede um retrato geográfico fidedigno do abandono escolar.
"A recolha de dados sobre os alunos efetuada através dos sistemas de informação do Ministério da Educação não é global nem tempestiva, uma vez que não integra as regiões autónomas, onde o Abandono é muito significativo, e tem um desfasamento de meio ano nas escolas privadas. Por isso, o sistema de recolha de dados não é suficiente para fornecer informação adequada ao conhecimento integral e exato do Abandono", avisa o Tribunal.
E mesmo em relação ao sistema público no continente, os dados podem não refletir a realidade, adianta o relatório, uma vez que os sistemas usados também não são adequados para medir o abandono escolar.
Atualmente, Portugal utiliza dois métodos, o internacional, usado pelo INE, que tem por base o Inquérito ao Emprego, realizado entre jovens dos 18 aos 24 anos, e a Taxa de Retenção e Desistência, calculada pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que se centra no desempenho estático de um ano letivo.
“O indicador do INE utilizado foi concebido para o Inquérito ao Emprego, é direcionado aos jovens dos 18 aos 24 anos e não integra os dos 6 aos 18 anos, nem esclarece o nível de ensino em que ocorreu o Abandono", sublinha o TC no documento consultado pela Renascença. "O Ministério da Educação também não tem informação sobre a evolução do Abandono durante a escolaridade obrigatória, nem sobre os jovens que, com mais de 18 anos de idade, não concluem o nível de ensino previsto.”
Desde 1992, quando o abandono se situava nos 50%, Portugal conseguiu reduzir esse valor para os 10,6% registados em 2019.
O objetivo proposto para o país tinha sido de chegar aos 10% em 2020, ano para o qual ainda não existem dados disponíveis. A meta, contudo, poderá vir a sofrer um revés.
No relatório hoje divulgado, o TC destaca que "o recente recurso ao ensino à distância, para mitigar o impacto da pandemia de Covid-19, [pode] estar a ampliar e a intensificar os riscos de Abandono dos alunos com relação mais frágil com a escola". E aponta que, apesar dos avanços, Portugal continua longe dos países de topo em relação ao combate ao abandono escolar.
“Embora a meta de 10% de Abandono esteja em vias de ser atingida, Portugal ainda está longe de eliminar o Abandono, situando-se em 21.º lugar entre os, até agora, 28 países da União Europeia , permanecendo a necessidade de medir e monitorizar o Abandono.”
Face às "várias insuficiências e deficiências assinaladas" na auditoria, o TC recomenda ao Ministério da Educação que crie uma "estrutura de monitorização e avaliação" integrada numa "estratégia global" de combate ao abandono escolar.
Os relatores pedem um maior controlo das matrículas e da frequência escolar, para prevenir e identificar todas as situações de abandono, mas também a consolidação do conceito de abandono, que não está bem definido.
Pedem ainda mais dinheiro para o combate ao abandono escolar e transparência na aplicação desses fundos. “No que respeita à programação financeira, observou-se que é insuficiente e incompleta, não permitindo conhecer o montante afeto ao combate ao Abandono e prejudicando o princípio da transparência", indica o TC.
O combate ao abandono escolar, destaca o tribunal, "assenta na convicção de que um país que apresente níveis elevados de Abandono enfrentará dificuldades para manter níveis elevados de emprego e coesão social e enfrentará obstáculos para a consecução de um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo – a prioridade da Estratégia Europa 2020 e da Agenda 2030".
Em Portugal a escolaridade é obrigatória até ao 12.º ano.