30 jul, 2020 - 16:50 • Ângela Roque
O nome de António Guterres está, a partir desta quinta-feira, gravado numa placa de xisto no Museu do Côa. O antigo primeiro-ministro, e atual secretário-geral da ONU, foi homenageado por, há 25 anos, ter tomado a decisão de parar as obras da barragem do Côa, o que permitiu criar o Parque Arqueológico do Vale do Côa, elevar as gravuras rupestres a Património Mundial e construir o Museu.
Ao discursar durante a homenagem, António Guterres garantiu que a decisão que tomou “não foi difícil nem corajosa”. Era a única que podia tomar para salvaguardar as gravuras, mesmo que na altura nem todos tivessem consciência da sua importância para a História mundial.
“Para mim foi sempre evidente que, se era verdade que tínhamos no Côa uma galeria de arte com 25 mil anos, se era verdade que este era o único centro ao ar livre de arte do paleolítico superior do mundo, e se era verdade que isto correspondia a um património extraordinário do nosso país e da comunidade internacional no seu conjunto, não havia dúvidas que isso tinha de ser preservado”, afirmou.
Para António Guterres, merecem ser homenageados sobretudo os que, ao longo dos anos, lutaram por manter e preservar as gravuras. “Quero prestar homenagem e a todas e todos os que se mobilizaram para defender as gravuras, numa altura em que isso era muito difícil, e não havia suporte político evidente para isso no país, e depois uma grande homenagem a todas e todos os que têm trabalhado para valorizar, preservar e permanentemente investigar este extraordinário património do Côa, de Portugal e da humanidade”.
O secretário-geral da ONU considera obrigatório Portugal investir em ciência.
“Um país como Portugal não pode viver de investigação aplicada, tem que investir em ciência, tem que investir nos domínios da investigação fundamental, tem que apostar em centros de excelência e tem que fazer parte das redes internacionais de produção de conhecimento”, defendeu, acrescentando: “se não fizermos isso, perderemos inevitavelmente o comboio da História”. E considerou “um erro” sempre que se corta na ciência e na cultura.
“Há uma tendência, em períodos de austeridade, de começar por sacrificar áreas como a ciência e a cultura. É um erro. Em primeiro lugar conta pouco em termos macroeconómicos, volume dos Orçamentos do Estado, da despesa pública ou do produto nacional. E em segundo lugar são fatores estruturantes essenciais no desenvolvimento e na coesão social”, defendeu o antigo governante português.
O secretário-geral da ONU aproveitou, ainda, para alertar para os populismos, que estão a ameaçar os valores básicos universais, como se tem assistido até na gestão do combate à atual pandemia. “Há uma emergência da irracionalidade, dos populismos, dos nacionalismos estéreis, de formas de divisão à escala global e que explicam porque é que a Covid-19 está a ser combatida de uma forma tão lamentável, com uma total desagregação dos esforços coletivos que deviam existir”.
“É o momento de reafirmar os valores do iluminismo, o primado da razão, e de combater todas estas manifestações de divisão, e para isso nada melhor do que o apego à ciência e nada melhor do que a valorização da cultura”.
Por isso, concluiu, “faz todo o sentido ver o que se passa aqui no Vale do Côa, a que se junta a preservação de um património admirável com uma investigação científica de grande qualidade”.
A homenagem a António Guterres foi integrada na sessão comemorativa dos 10 anos do Museu do Côa – que se situa em Vila Nova de Foz Côa, no distrito da Guarda - e dos 25 anos da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Na sessão o presidente da Fundação Côa Parque, Bruno Navarro, considerou que António Guterres "deu uma lição ao mundo que ainda hoje é saudada e serve de inspiração nas mais diversas latitudes".
A esta homenagem associaram-se vários ministros e outros membros do Governo, representantes da Assembleia da República, instituições de ensino superior, investigadores, autarcas e outras figuras associadas aos projetos da Arte do Côa.