04 ago, 2020 - 14:16 • Marta Grosso , Ana Rodrigues (entrevista)
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O bastonário da Ordem dos Médicos não tem dúvidas: o excesso de mortalidade registado em julho (o maior número em 12 anos) deve-se aos doentes não-Covid que “ficaram para trás”.
“O excesso de mortalidade deve-se aos doentes não-Covid que claramente ficaram atrasados. Ponto. Não vale a pena arranjar outras explicações”, afirma categoricamente Miguel Guimarães, em declarações à Renascença.
Na opinião deste médico, a saúde deveria ter sido o primeiro setor a desconfinar, de modo a poder-se evitar males maiores decorrentes de doenças mais graves.
Se, ao início, foi necessário concentrar todas as atenções no novo coronavírus, “passada esta fase de embate, quando decidimos desconfinar, a primeira coisa que tinha de descofinar não eram os restaurantes, era a saúde”.
“Imediamente, tirar o medo das pessoas de ir aos hospitais”, porque “as pessoas tiveram medo”, afirma. Por isso, era preciso “ter logo uma pedagogia forte, preparar as unidades de saúde para a resposta, se necessário socorrer-nos do setor privado e social para ajudar, mas rapidamente pegarmos naqueles doentes todos que ficaram para trás”, defende.
Se não fez a TAC, fazer; se não fez a colonoscopia; fazer – “se calhar tem um cancro e se for diagnosticado já, ainda está localizado e podemos curar o doente; se for muito mais tarde pode já estar metastizado, ter raízes noutros sítios, e já não é curável”, explica.
“Há um conjunto enorme de situações que deviam ter sido aceleradas por quem tem o poder em Portugal”, reforça, mostrando-se muito crítico da atitude dos governantes no início do desconfinamento.
“O que se viu foi os responsáveis ao mais alto nível, e excuso de citar, a irem aos restaurantes, a dizer às pessoas para ir aos restaurantes... Saúde, zero”, condena.
Ainda hoje, prossegue em tom crítico, há médicos de família “a fazer milhares de contactos por dia no chamado TraceCovid, em vez de estarem a ver os doentes normais, os doentes crónicos”.
Há 12 anos que não morriam tantas pessoas em Portu(...)
A Direção-Geral da Saúde (DGS) tem uma outra explicação – pelo menos, para já – para a causa do aumento de mortalidade em julho.
Na perspetiva da DGS, o calor que se fez sentir em algumas semanas do mês passado terá contribuído para o aumento de mortes, sobretudo “nos grupos etários acima dos 65 anos de idade”.
Numa nota enviada à Renascença, a DGS confirma “valores de mortalidade acima do esperado para a época do ano”, que “foram observados em todas as regiões de saúde de Portugal, à exceção das regiões autónomas, e nos grupos etários acima dos 75 anos de idade”.
Estes valores são “coincidentes com um período de temperaturas elevadas registadas em Portugal Continental”, tendo sido “emitidos alertas do sistema de vigilância de calor”, pelo que “o calor extremo é a causa mais provável” do aumento de óbitos, sobretudo naquela faixa etária.
A DGS ressalva, contudo, que “esta hipótese irá ser analisada de forma mais detalhada”, quando houver mais informação sobre as mortes.
“A codificação das causas de morte de 2020 está em curso e só será conhecida em 2021”, sublinha ainda.
Confrontado com a hipótese de o excesso de mortalidade se dever a uma vaga de calor, o bastonário da Ordem dos Médicos reage: “não tem nada a ver. Eu acho que a senhora diretora-geral de saúde está completamente equivocada”.
Os dados sobre a mortalidade em Portugal do Sistema de Vigilância da Mortalidade em Portugal, que segue a metodologia EuroMOMO, adotada internacionalmente para a vigilância da mortalidade a longo prazo.