14 ago, 2020 - 18:28 • Lusa
O ilustrador Nuno Saraiva considerou, em reação ao anúncio da queixa pela PSP, criminoso atentar contra a liberdade de expressão e mostrou-se “preocupado” com o rumo do país.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) vai apresentar queixa contra o jornal Público pela publicação, no suplemento Inimigo Público, de um cartoon com uma figura vestida de uniforme, “aparentemente relacionado com uma ação com conotação política” junto à sede da SOS Racismo.
“Criminoso é acharem que isto é um crime, que um criativo, um jornalista, um ‘opinion maker’, um cartoonista não pode ter direito à sua liberdade de expressão”, afirmou Nuno Saraiva, em declarações à Lusa.
Realçando que nem sequer é adepto dos cartoons “mais escatológicos e altamente ofensivos”, do género dos do jornal satírico francês Charlie Hebdo, o ilustrador português considera que este é até “um cartoon bastante pacífico”.
Por isso mesmo, julga “absolutamente exagerado e sem sentido para uma queixa-crime”.
Quanto a esta possibilidade, Nuno Saraiva deixa claro que não está minimamente preocupado consigo, mas sim com “o caminho que o país está a trilhar”.
“Parece que estamos a dar uma reviravolta para mais de 40 anos atrás, isso é que me preocupa. E o silêncio institucional preocupa-me também”, afirmou, considerando que nos últimos tempos sente que “está tudo muito pesado e esquisito”, uma situação que, confessa, o “assusta”.
No entanto, Nuno Saraiva deixa claro que não vai explicar o seu cartoon: “Um cartoon vale por si. Os desenhos ilustrados têm a faculdade de ter várias interpretações”.
Segundo a PSP, o cartoon de Nuno Saraiva está aparentemente relacionado com uma ação, ocorrida no sábado, em frente à sede da organização SOS Racismo, em Lisboa, e associa "de forma explícita" a polícia "a um qualquer movimento político-ideológico".
Essa conotação, adianta a nota, afeta "publicamente a isenção e apartidarismo que caracterizam a instituição, resultantes não só de obrigação estatutária e da condição policial, mas também da convicção dos polícias".
Capa do suplemento "Inimigo Público" desta sexta-f(...)
A PSP "lamenta a leviandade com que o jornal e o cartoon em questão feriram a boa imagem da instituição e dos polícias que nela servem e protegem os nossos concidadãos" e lembra que a Estratégia 2020/2022 contempla a "isenção e rejeição de qualquer forma de extremismo e discriminação" como um valor e um pilar ético fundamental.
A discussão à volta do racismo em Portugal voltou a ganhar força depois do assassinato do ator Bruno Candé, alegadamente por motivações racistas, e de na semana passada um grupo de elementos da extrema-direita relacionados com o movimento "Ordem de Avis-Resistência Portugal" se terem manifestado à frente da sede da SOS Racismo.
Posteriormente, foi enviada uma carta com ameaças a vários elementos de organizações antirracistas e a três deputadas, duas do Bloco de Esquerda e a independente Joacine Katar Moreira.
A PJ e o Ministério Público estão a investigar os contornos do caso.
Ainda na quinta-feira, o Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, falando sobre este tema, pediu a todos os democratas que sejam “firmes nos princípios”, mas também "sensatos" na forma como fazem a defesa desses valores. Marcelo alerta para os perigos de dar munições a quem quer aproveitar o tema do racismo para criar um clima de divisão na sociedade portuguesa e capitalizar com ele para promover “fenómenos antissistémicos”.
Também o Governo e alguns partidos da oposição tomaram posições de repúdio e condenação em relação às ameaças que foram feitas pelos grupos de extrema-direita.