31 ago, 2020 - 17:00 • Eunice Lourenço
Bispos, um ex-Presidente e um antigo primeiro-ministro, constitucionalistas e até um deputado socialista juntam-se num manifesto “em defesa das liberdades de educação” em que, a propósito de um caso recente, pedem que seja respeitada a vontade dos pais ou encarregados de educação no que diz respeito à disciplina de Educação para a Cidadania.
Em causa, está o caso de dois irmãos de Vila Nova de Famalicão, que, por opção dos país, faltaram a todas as aulas desta disciplina. Os encarregados de educação argumentam que os tópicos da disciplina são da responsabilidade educativa das famílias. Entre eles estão sexualidade, género, interculturalidade, comunicação social e ambiente.
O caso arrasta-se desde o ano letivo 2018/19, tendo os alunos transitado de ano por decisão do conselho de turma. Mas, este ano, no início do segundo período, o Ministério da Educação avisou que os alunos teriam de repor as aulas em atraso da disciplina, correndo o risco de voltar atrás.
A família não se conforma e colocou dois processos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga contra o Ministério da Educação.
Agora, um manifesto junta nomes como o cardeal D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa e D. António Moiteiro, bispo de Aveiro, o ex-Presidente Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, os ex-presidentes do CDS Adriano Moreira e Ribeiro e Castro, e o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, além de ex-ministros da Educação, como David Justino e Carmo Seabra, vários professores universitários, como António Barreto, juristas, como Souto Moura, ex-Procurador Geral da República, médicos, diretores de colégios e até militares.
Pedem que “as políticas públicas de educação, em Portugal, respeitem sempre escrupulosamente, neste caso e em todos os demais casos análogos, a prioridade do direito e do dever das mães e pais de escolherem ‘o género de educação a dar aos seus filhos’, como diz, expressamente por estas palavras, a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, como se lê no abaixo-assinado a que a Renascença teve acesso.
Pedem também que “em especial e de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo português, [as políticas de educação] respeitem a objeção de consciência das mães e pais quanto à frequência da disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento, cujos conteúdos, aliás de facto muito densificados do ponto de vista das liberdades de educação em matéria cívica e moral, não podem ser impostos à liberdade de consciência”.
Na exposição de motivos, os signatários lembram vários preceitos constitucionais. A Constituição garante “a liberdade de aprender e de ensinar” e também diz que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” e o Estado deve “cooperar com os pais na educação dos filhos”. Lembram ainda que a lei fundamental “proíbe o Estado de «programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.
As personalidades que assinam este manifesto também consideram que “a Lei de Bases do Sistema Educativo garante a objeção de consciência na matéria da actual disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento, quando estabelece que: ‘São objectivos do ensino básico […] n) Proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral’ “.
Quanto ao caso de Famalicão em concreto, lembram que os pais dos dois alunos “oportuna e repetidamente comunicaram às autoridades escolares a sua objeção de consciência quanto à frequência daquela disciplina pelos seus filhos” e que “uma juíza de direito já concedeu aos referidos pais uma providência cautelar contra a decisão do Ministério da Educação que manda anular a passagem de ano daqueles alunos nos dois últimos anos escolares, por não terem frequentado a disciplina de Educação para a Cidadania”. O contrário do que têm dito publicamente as autoridades governamentais e escolares que “têm recusado atender a esta objeção de consciência, alegando que a disciplina de educação para a cidadania é obrigatória, não sendo diferente ‘nem de Matemática, nem de História nem de Educação Física’”.
Manuel Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade Católica e um dos promotores deste abaixo-assinado, diz que “não foi difícil encontrar uma adesão muito generalizada” a esta chamada de atenção devido à “justeza” da causa.
“É uma tomada de posição pública que solicita às autoridades governamentais para atentarem na gravidade daquilo que está a acontecer. Não vamos entregar especificamente a alguém, damos pública informação dele e esperamos sinceramente que as autoridades governamentais se deem conta daquilo que está a suceder”, esclarece Braga da Cruz em declarações à Renascença.
Já Mário Pinto, outro dos promotores da iniciativa, considera que não há aqui uma questão legal, mas uma questão de prática. “A constituição é clara e a lei de bases é clara e não pode haver haver nenhuma outra lei que desobeça à lei de bases porque a lei de bases do sistema educativo é uma lei de valor reforçado”, afirma este professor, para quem o que está em causa é um desobediência à lei.
“Se a lei de bases diz que, nesta área, os pais têm direito à objeção de consciência, a questão legal está clara. Não há uma questão legal, há uma questão de cumprir a lei. Há é uma questão de obediência à lei”, defende. E conclui: “Não é preciso mexer nas leis, é preciso é mexer nas práticas.”