27 out, 2020 - 21:10 • Lusa
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Um grupo de médicos assinou uma carta de resposta à que foi enviada pelo atual e cinco ex-bastonários dos médicos à ministra da Saúde, Marta Temido, descrevendo-os como “influenciadores” motivados por "interesses pessoais e mercantilistas" contrários aos do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Entre os subscritores do documento tornado público esta terça-feira estão a ex-ministra da Saúde do Governo socialista de José Sócrates, Ana Jorge, o diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, a endocrinologista e nutricionista Isabel do Carmo; o psiquiatra Luiz Gamito, o especialista de Medicina Interna Carlos Vasconcelos; o endocrinologista e presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, José Manuel Boavida; ou o cirurgião pediátrico e presidente da Associação de Médicos pelo Direito à Saúde, Jaime Teixeira Mendes.
“A concretização da proposta de operacionalização do chamado 'sistema' de saúde, com 'normalização' da compra de serviços de saúde a prestadores privados, subverteria o conceito constitucional do Serviço Nacional de Saúde. Com esta proposta, só aumentariam as insuficiências que se apontam ao SNS, bem como o que os portugueses teriam de pagar pela sua saúde. O sentido da melhoria do SNS é exatamente o contrário: Reforço da capacidade interna, para melhor servir a população em todas as necessidades de saúde e não apenas nas que dão lucro. Nós, médicos que aqui assinamos, não nos sentimos representados por esta posição dos (ex-)bastonários”, escrevem os clínicos subscritores na carta de resposta.
Em causa está uma carta aberta dirigida à ministra da Saúde e assinada pelo atual bastonário, Miguel Guimarães, e cinco ex-bastonários, publicada na página da Ordem dos Médicos, na qual defendem o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e uma mudança urgente no rumo da sua estratégia, que estando a sofrer “uma disrupção grave” no seu funcionamento deve envolver os setores privado e social no objetivo de aumentar o acesso dos cidadãos à saúde, recuperando listas de espera e eventuais doentes “perdidos” durante a pandemia.
Ministra da Saúde
Garantia foi avançada pela ministra Marta Temido, (...)
Na carta de resposta hoje divulgada, os clínicos integram os bastonários “num movimento mais amplo de intervenções de ‘influenciadores’ nos meios da comunicação social e em meios universitários, todas com a mesma orientação e a mesma substância”, acusando-os de usar dificuldades reais do SNS para passar a um discurso alarmista e a um “ataque político à ministra”, culminando no “objetivo mercantil” de defender o recurso aos privados.
“Poderá haver médicos concordantes com essa carta, por coincidirem com os seus objetivos. Nós não. Não nos sentimos representados. […] Todos os cidadãos têm o direito de, em grupo ou isoladamente, expressarem as suas opiniões. O que não é lícito é que a natural credibilidade da Ordem dos Médicos seja mobilizada para as posições pessoais de ex-bastonários e do seu bastonário atual. Descrevendo um ambiente de perigo iminente, vaticinando a falência do SNS e amplificando as suas dificuldades, desassossegando e perturbando a saúde mental das famílias e, sobretudo, das pessoas mais idosas e mais isoladas”, acusam.
Os médicos subscritores da carta de resposta aos bastonários criticam o tom alarmista do discurso, que “transmite pânico e bloqueia a capacidade de decidir racionalmente” e pedem serenidade.
Reconhecem problemas como a suborçamentação da Saúde, que identificam também na proposta de Orçamento do Estado para 2021, e os salários baixos e fracos fatores de atratividade que deixam concursos para contratação de médicos desertos, assim como a heterogeneidade do país, com níveis de resposta diferentes, mas entendem que os bastonários deixam claro na sua missiva um objetivo de favorecer os privados.
“Muito simplesmente, tratar-se-ia de levar o SNS a comprar (ainda mais) serviços aos estabelecimentos privados, aqueles que, no início da crise, praticamente fecharam, logo disseram que não recebiam doentes com Covid-19 e enviaram grávidas positivas para os serviços públicos”, criticam, dando alguns exemplos de como o SNS aplica parte do seu orçamento na contratação de serviços aos privados, como sejam os testes de rastreio à Covid-19.