02 nov, 2020 - 20:40 • Joana Azevedo Viana , Filipe d'Avillez
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"Verdadeiramente nunca deixámos de estar em emergência", disse esta segunda-feira Marcelo Rebelo de Sousa após ter recebido o primeiro-ministro, António Costa, e os partidos com assento parlamentar no Palácio de Belém.
Em entrevista à RTP esta noite, e questionado sobre uma nova declaração de estado de emergência no país por causa da pandemia de Covid-19, o Presidente da República começou por declarar que o país nunca deixou verdadeiramente de estar em emergência e acrescentou que o que está em cima da mesa é um estado de emergência menos restritivo do que o anterior.
"O que está a ser ponderado é uma coisa diferente, [um estado de emergência] muito limitado, de efeitos sobretudo preventivos e não muito extenso, apontando para o confinamento total ou quase total. é esta a inclinação dos partidos que ouvi e do Governo, vamos ver se é a inclinação dos parceiros económicos e sociais."
"Se perguntar neste momento por um confinamento, já não digo total, mas um confinamento muito vasto, a resposta é não. A resposta é sim a um estado de emergência limitado: sim, com quem diga não e quem se abstenha, mas sim de uma maioria clara", referiu.
Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que "é uma maioria que está nos dois terços ou acima dos dois terços" em defesa desse "estado de emergência limitado" no Parlamento, e observou: "Se isto não é uma maioria clara - uma maioria de revisão constitucional - não sei o que é uma maioria clara."
Em parte esta decisão é motivada pelo facto de estarmos numa altura diferente da pandemia e dos seus efeitos, adianta Marcelo. "Há oito meses a economia estava bem, agora não está bem."
"Chegados aqui vale a pena olhar para a perspetiva quantitativa da realidade: se formos seguir os modelos puramente matemáticos, temos uma possibilidade de duplicação do número de infetados todos os 15 dias, o que significaria que perto do final de novembro, se fosse progressão matemática, teríamos nove mil, dez mil infetados. Simplesmente tem-se visto que a progressão matemática não corresponde à realidade", recordou Marcelo na entrevista, quando confrontado com a falta de camas e outros recursos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Na quarta-feira, o confinamento parcial e restrições aplicados em três concelhos do Norte passam a abranger 121 concelhos, por decisão do Governo, precisamente por causa da evolução da pandemia, sublinha Marcelo, dizendo que "é preciso fazer os portugueses entenderem" o que está em causa.
"Onde havia três concelhos [com mais de 240 infetados por 100 mil habitantes] passou-se para 121 em 15 dias; ninguém tem a garantia de que, daqui a duas, três semanas, seja um número muito maior de concelhos em Portugal continental."
"A capacidade é muito maior, a pressão é maior também, é evidente", diz Marcelo sobre o SNS. "Centenas de camas ocupadas por razões sociais foram ou serão desocupadas com transferências para o setor social. Agora sabe-se como lidar com a pandemia, mais do que se sabia na altura [do primeiro estado de emergência]" e "a eficácia do tratamento é maior do que era na altura".
A outra diferença que o Presidente aponta é "com a sociedade", que "aderiu por antecipação ao confinamento total" em março. Agora, "a sociedade não é a mesma, está largamente fatigada, alguns têm posições negacionistas... Pergunta-se porquê preocupar-se com os doentes Covid e não com os outros? As pessoas têm de perceber que estamos todos no mesmo barco."
Marcelo reconhece que a "a sociedade está preocupada com salários, com desemprego, com a situação económica e social" e aponta que até a "a política mudou" e os "setores políticos" também.
Há oito meses, "havia unidade, nenhum partido votou contra o estado de emergência. Na primeira renovação já havia partidos a votar contra, a terceira já foi muito mais difícil. Se perguntar neste momento por um confinamento – já não digo total, mas muito vasto – a resposta é não. A resposta é sim a medidas, a um estado de emergência limitado".
O chefe de Estado lembra ainda que, apesar da oposição de alguns partidos, há maioria para aprovar uma nova declaração de estado de emergência.
Questionado sobre um confinamento total como noutros países europeus, levando as medidas de contenção da pandemia mais além, o Presidente da República sublinha a sua oposição.
"A economia não aguentaria um confinamento agora e que tivesse que permanecer duradouramente no tempo, nem a sociedade aguenta. Penso que a capacidade global do SNS juntamente com os privados e o setor social permite fazer frente àquilo que é previsível se as outras medidas forem assumidas pelos portugueses, pensando que podem e devem ajudar. Não podem ser só eles, ouço muitos dizer 'somos só nós, o Estado não ajuda', o Estado ajuda, o SNS ajuda, a contratação de enfermeiros visa ajudar."
Sobre o fim do último estado de emergência, depois das duas renovações, Marcelo diz que, na altura, apenas referiu o termo "milagre português" para garantir que "não houve milagre nenhum", que o que foi alcançado nessa primeira fase foi "por resistência dos portugueses".
"Ninguem percebeu o que eu disse, pelos vistos. Eu disse que não houve milagre nenhum."
O que houve, diz o Presidente, "foi a resistência dos portugueses, do pessoal da saúde, dos autarcas". Se "era possível contratar mais rapidamente? Porventura. Era possível conseguir mais camas mais rapidamente? Porventura. Tem de se perceber que todos os dias apareciam problemas novos", razão pela qual "os lares rebentaram a partir do fim do estado de emergência".
Marcelo Rebelo de Sousa disse compreender "as críticas, as angústias e o estado de espírito dos portugueses, muitos", que "apontam erros, atrasos, contradições, ziguezagues" na resposta a esta pandemia.
No entanto, salientou que desde março "a pandemia nunca parou" e interrogou: "Quem é que pode planear quando os problemas estavam a surgir todos os dias? Planeava-se, mas no dia seguinte já estava ultrapassado. Eu era o primeiro a dizer: tem de se planear".
"Eu não estou a absolver erros nem a dizer que não houve erros. Eu sou o maior responsável por eles, porque o Presidente da República é o maior responsável por aquilo que corre mal em Portugal", acrescentou o chefe de Estado.
Confrontado com o facto de o Presidente não ter funções executivas, contrapôs: "Mas dá cobertura política. Portanto, eu sou o maior responsável pelo que aconteceu. Eu estou a assumir a responsabilidade suprema por tudo isto."
Em seguida, Marcelo Rebelo de Sousa assinalou que após a fase inicial da epidemia de Covid-19 em Portugal, "entrou-se em crise económica e social, portanto, o Governo passou a ter não uma frente, mas duas" e desde então "as medidas passaram a ter de ser calibradas".
Questionado sobre uma eventual recandidatura à presidência, Marcelo respondeu: "Não fui eleito para pensar numa eventual recandidatura."
"Vou pensar naquilo que interessa aos portugueses: a pandemia, que vai continuar até ao final do meu mandato a 9 de março de 2021. Não vou estar a fazer cálculos eleitorais, a decisão será tomada em tempo oportuno."
O Presidente diz que "a normalidade democrática" exige "manter as eleições", mas "veremos como é a evolução da pandemia" até lá. "Só espero que seja em normalidade, quem quer que sejam os candidatos a concorrer".
E a pandemia, tornou o Presidente mais inquieto ou transformou-o num otimista realista?
"Não, preocupa-me e preocupou-me sempre, porque conheço a História, sei o âmbito de outras epidemias e desta pandemia, e nunca deixou de me preocupar. Simplesmente no momento de decidir aí sou muito frio, decido friamente."
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