10 nov, 2020 - 08:39 • Anabela Góis
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Tendo em conta a evolução da pandemia, a Ordem dos Médicos admite um cenário em Portugal semelhante ao que se vive em Espanha e Itália, onde não há recursos para todos os doentes que deles necessitam.
A pensar neste cenário, o Conselho de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos divulgou uma série de recomendações, entre as quais o que fazer quando os médicos foram obrigados a escolher que doentes tratar.
Que documento é este?
A Ordem dos Médicos decidiu avançar com um documento tendo em mente o lema que tem conduzido o Governo na gestão desta pandemia: “esperar o melhor e preparar-nos para o pior”.
Nele faz recomendações éticas sobre as opções que os médicos poderão ter de tomar se o país chegar a uma situação limite, em que faltem camas nas unidades de cuidados intensivos, ventiladores ou recursos humanos por motivo de doença ou quarentena.
E o que recomenda a Ordem? Há prioridades?
Numa situação limite, sim, vai ser necessário estabelecer prioridades na triagem dos doentes. E, na altura de tomar essa difícil decisão, os médicos devem maximizar os benefícios da ventilação assistida – ou seja, devem reservar os recursos para quem tem maior probabilidade de sobrevivência depois do tratamento.
A decisão tem de ter em consideração critérios clínicos e de avaliação de riscos, incluindo os da própria medicina intensiva, bem como a maior probabilidade de eficácia do tratamento e sobrevida esperada.
Em resumo, a ideia é procurar “salvar mais vidas e mais anos de vida”.
Quer isso dizer que a idade é fator decisivo?
Não. Apesar de muitos dos doentes serem idosos, a idade nunca pode ser usada como critério. Tal como não é decisiva a ordem de chegada à urgência.
O que o parecer indica é que cada doente deve ser avaliado de forma individual e, por isso, a presença de outras doenças prévias – as chamadas comorbilidades – e o estado funcional dos órgãos devem ser cuidadosamente avaliados, juntamente com a idade.
O parecer indica, por outro lado, que, em caso de doença avançada ou terminal, em que o utente vá retirar pouco ou nenhum benefício do tratamento, a terapia intensiva não deve ser considerada.
Mas mesmo quando os tratamentos são suspensos, diz o parecer, o “médico deve garantir sempre acompanhamento paliativo ao doente”.
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O doente deve ser informado de todos os passos e decisões?
Não só o doente como a própria família. Isso está muito claro neste parecer: as decisões, que têm de resultar de um consenso da equipa de saúde, têm de ser comunicadas de forma clara e ficar registadas no processo do doente.
Está ainda garantida a possibilidade de despedida, bem como o acompanhamento religioso do doente e o acompanhamento psicológico da família.
E direitos dos próprios médicos?
O documento contempla também essa questão. Lá pode ler-se que “o dever de cuidar só pode ser exigido em circunstâncias de reciprocidade”.
Assim, “os profissionais de saúde têm o dever ético de exigir condições para poderem tratar os doentes sem correrem riscos. E por condições entende-se equipamentos de proteção, testes de diagnóstico, de aparelhagem terapêutica e medicamentos.
Se faltar equipamento de proteção individual adequado, os médicos que estão na linha da frente podem invocar direito de recusa.
Este parecer do Conselho de ética da Ordem dos Médicos deve ser revisto periodicamente durante a fase mais crítica, referem ainda os autores.
Na segunda-feira, Portugal bateu o recorde de mortes diárias com Covid-19: 63. Em 24 horas, foram também dadas como infetadas 4.096 pessoas.
Por outro lado, foram dadas como recuperadas 100 mil doentes, fazendo aumentar o total para 2.302.