13 nov, 2020 - 07:30 • Cristina Nascimento
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Os médicos, enfermeiros e assistentes operacionais de saúde estão a ver as suas férias canceladas em vários hospitais do país. A situação é confirmada à Renascença por sindicatos representativos dos três grupos profissionais.
“Há vários locais onde isso está a acontecer”, diz à Renascença o presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, referindo que esta é uma realidade que se verifica, por exemplo, em “muitos serviços de Lisboa Central e no Tâmega e Sousa”.
Do lado dos enfermeiros, Isabel Barbosa, delegada do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) em Lisboa, confirma que, na capital, o cancelamento de férias “está a acontecer de forma generalizada no Centro Hospitalar Lisboa Norte”.
Já para os auxiliares, esta é a realidade não apenas em Lisboa mas em "quase todos os hospitais do país, de norte a sul", indica o presidente do Sindicato Independente dos Técnicos Auxiliares de Saúde (SITAS), Paulo de Carvalho.
Se qualquer um dos sindicatos reconhece que as entidades patronais têm direito legal a cancelar férias, também todos estão de acordo que a situação é lamentável e que se deve à falta de recursos humanos.
Jorge Roque da Cunha considera que o cancelamento de férias dos médicos é “fruto da incapacidade de organização” e “fruto de uma atitude de um Governo que desvalorizou a pandemia” de Covid-19.
Para o presidente do SIM, o Ministério da Saúde não soube acautelar a saída de 600 médicos que se reformaram, sendo que “há, neste momento, menos médicos no Serviço Nacional de Saúde do que em 2019", destaca.
Roque da Cunha vai mais longe. Defende que a gestão dos recursos em muitos locais podia ter sido feita de outra forma e que cancelar as férias é “mais uma forma de desconsiderar os médicos”. O dirigente sindical diz ainda que é por atitudes como esta que a tutela não consegue atrair médicos para o SNS.
“O Ministério da Saúde devia perceber que desta forma não capta as pessoas e por isso a fragilidade do Serviço Nacional de Saúde. Hoje há menos médicos no Serviço Nacional de Saúde do que havia no ano passado e estamos em plena pandemia.”
Para o presidente do sindicato, falta aos conselhos de administração “a perceção de que os médicos são pessoas, têm família e que, se não estiverem descansados, se não estiverem com a cabeça fresca, naturalmente dificilmente conseguirão combater a pandemia com a coragem que têm tido”.
As críticas encontram eco no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, com Isabel Barbosa a explicar que compreendem a especificidade do “momento atual e a necessidade de cuidados de enfermagem”, mas a garantir que não compreendem “como é que, atempadamente, não foram tomadas medidas, nomeadamente na contratação”.
A dirigente sindical defende que os enfermeiros deviam ter sido contratados de forma definitiva, acrescentando que a solução encontrada no SNS de contratação a quatro meses “impede que os enfermeiros optem por essa situação”.
“Muitos preferem, neste momento, quando saem das escolas, ir para o privado com ofertas de vínculo permanente”, assegura.
Isabel Barbosa garante que os enfermeiros estão exaustos e que “não deveriam ter de abdicar das suas férias, das suas folgas, do seu descanso e do seu tempo com a família, porque essa medida [a contratação] não foi tomada”.
Paulo de Carvalho, presidente do SITAS, garante que “o ‘burnout’ está a começar a fazer-se sentir na classe profissional dos assistentes operacionais.
O dirigente sindical revela que as administrações hospitalares têm comunicado “de forma simpática” o cancelamento das férias, mas a decisão, embora vá ser respeitada, não é vista “com bons olhos”.
“Com o número diminuto de profissionais, cada vez mais reduzido, com a obrigatoriedade de ter de cumprir o confinamento [em caso de infeção ou suspeita de infeção], a adicionar à falta de profissionais que já existe, não é com muito bom grado que as pessoas veem cancelado o seu período de férias, que está pensado para efetivamente descansarem”, refere.
“Precisamos de descansar e estamos a falar de um grupo profissional que, habitualmente, não tem um segundo ou um terceiro emprego, como outros grupos profissionais ligados à saúde e que se queixam de ‘burnout’ por trabalharem em vários locais. Nós, neste momento, temos razões de sobra para nos queixarmos de ‘burnout’ trabalhando num único sítio.”
Ouvida pela Renascença, a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares admite que, dada a pressão nos serviços de saúde, têm estado a ser canceladas férias aos profissionais de saúde.
Eduardo Castela, dirigente desta associação, reconhece que o “planeamento da força de trabalho terá de garantir o descanso e a segurança dos profissionais”, mas alude a uma “pressão hospitalar diferente”, com unidades em situação de “rutura ou pré-rutura”.
O dirigente associativo reconhece ainda que “através da contratação de mais profissionais para estas áreas, poder-se-ia ter evitado alguns destes cancelamentos”.
Castela garante que há diálogo com o Governo para contratar mais profissionais, mas que “há alguma escassez na contratação, por via do termo dos contratos que estão a ser levados a cabo”.
A Renascença contactou a administração do Hospital de Santa Maria, um dos hospitais onde as férias dos profissionais de saúde estão a ser canceladas, mas sem sucesso, até ao momento.
[notícia atualizada às 11h28]