27 nov, 2020 - 07:59 • Marina Pimentel (entrevista); Cristina Nascimento (texto)
O juiz do Tribunal de Contas denuncia falhas no controlo dos dinheiros públicos utilizados pelas autarquias. Mouraz Lopes diz que essa falta de controlo é tanto mais grave, quanto a maior parte dos processos de corrupção que estão a ser julgados em tribunal dizem respeito precisamente ao poder autárquico.
“Temos claramente um défice de controlo”, diz em declarações ao programa da Renascença “Em Nome da Lei”.
Mouraz Lopes critica a extinção da Inspeção Geral das Autarquias Locais, em 2011, com consequente “diluição das suas competências na Inspeção Geral de Finanças que obviamente tem outras prioridades e tem outra matéria”, numa altura em que há “cada vez mais competências financeiras - e não só financeiras - nas autarquias e que envolvem dinheiros públicos”.
O magistrado recorda ainda que há vários exemplos de problemas financeiros ao nível das autarquias.
“Na parte financeira temos variadíssimos problemas de patologias financeiras - não necessariamente crimes, mas patologias financeiras -, envolvendo as autarquias. No ponto de vista administrativo temos alguns autarcas que perderam mandatos por causa de irregularidades que cometeram”, exemplifica.
Nestas declarações à Renascença, diz que tudo se torna mais complicado quando os organismos de fiscalização interna da aplicação desses dinheiros não funcionam na prática, a começar pela Inspeção Geral de Finanças.
“No âmbito preventivo há uma quase nenhuma identificação e coordenação dos órgãos de controlo interno da administração pública. Estou a falar das inspeções gerais que conformam e se integram neste sistema de controlo das finanças públicas e que tem como topo a Inspeção Geral de Finanças. Tudo isto não tem funcionado na prática”, denuncia.
O juiz Conselheiro, que editou recentemente um livro sobre corrupção, diz que as autarquias são uma área de risco de má utilização dos dinheiros públicos e é preciso encarar o problema de forma clara.
A crítica é dirigida à Estratégia de Combate à Corrupção apresentada pelo Governo para os próximos quatro anos e que em nenhum lado fala da necessidade de um maior controlo financeiro e das patologias que envolvem as autarquias.
O magistrado, que já dirigiu a luta contra a corrupção da Polícia Judiciária, diz que em Portugal não faltam exemplos de documentos muito bem feitos, mas que não passam do papel.
"O próprio Ministério Público, em 2017, criou e adotou uma estratégia do Ministério Público contra a corrupção, um documento fantástico, muitíssimo bem feito, que tem todas as linhas que o Ministério Público deve traçar nesta matéria. O que acontece desde 2017 até agora é que não houve nenhuma avaliação disto, não houve nenhuma demonstração dos dados", critica.
Mouraz Lopes é um dos entrevistados do programa da Renascença “Em Nome da Lei”, emitido aos sábados, a partir do meio-dia, com repetição à meia-noite.